Valorizar os produtores florestais é valorizar a floresta

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Proteção florestal.
Comercio 780

É necessário um pacote legal agilizado que torne o funcionamento da atividade florestal mais simples e expedito que promova o investimento em gestão e que inverta o sentido da política florestal, premiando ou discriminando positivamente os produtores florestais que já fazem bem e dentro das regras do país. 

Por António Augusto Fontoura de Ataíde Guimarães *

Falar de floresta em Portugal nas duas últimas décadas tem-se resumido, basicamente, a falar de incêndios. A comunicação social vem-nos inundando com abomináveis relatos, reportagens e discussões infrutíferas com comentadores especialistas que têm conduzido, em geral, a uma perceção social errada sobre aquilo que é, e aquilo que representa, a floresta portuguesa.

Em matéria de política florestal, os incêndios são uma questão por demais debatida e que tem sido alvo de muitos estudos, comissões e reformas estruturais dos organismos públicos e outros relacionados, com os resultados duvidosos que todos os portugueses vêm todos ou quase todos os dias.

A Associação Florestal do Baixo Vouga entende que não se tem atendido à floresta, à sua gestão e valorização, bastando comparar o que o país investe anualmente no combate aos incêndios com o que investe em gestão florestal.

Este quadro tem que ser invertido, concentrando-se na valorização do território e nas pessoas que lá vivem. Esta inversão obrigará logicamente a rever muitas das orientações políticas que têm norteado os destinos do setor, bem como a rever o quadro legal e, talvez o mais importante, envolver os produtores florestais nas decisões, já que são eles os proprietários da grande maioria do território (97%) e serão eles os executores da política florestal no território.

Incêndio após incêndio se conclui que, mais que discutir problemas, é necessário apontar soluções. Torna-se cada vez mais pertinente procurar responder, com realismo, a três principais questões de base da floresta portuguesa:

1. Como, e em quanto tempo, se recupera o património perdido?
2. Com que recursos será efetuado?
3. Quem vai investir e intervir em tão vastos territórios?

Em resposta, entendemos ser o momento para pôr em prática algumas medidas que nos parecem de interesse imediato para a floresta e há muito são reclamadas pelo movimento associativo:

– Qualquer tentativa de recuperação do território com mais intervenção humana ou aguardando a resposta da natureza na sua sucessão ecológica, demorará várias décadas. Esta constatação torna obrigatório o reconhecimento público e político da importância deste setor para o Ambiente, Economia, e Coesão social e territorial do País, sob a forma de um pacto de regime com todos os partidos políticos da Assembleia da República, que estabeleça linhas de política estruturantes e estáveis no longo prazo;

– As políticas públicas deverão definir claramente o que são serviços públicos e serviços privados, tendo em conta que algumas competências dos serviços oficiais são atualmente exercidas pelas associações florestais;

– A administração pública deve estabelecer contratos programa com as Associações de Produtores, em projetos diferenciados para o desenvolvimento integrado dos territórios, responsabilizando a sociedade civil e reconhecendo os méritos do dinamismo e dos resultados obtidos a favor da floresta e do país. Como temos afirmado e reiterado, o associativismo florestal pode contribuir para a mudança da situação existente, tendo em vista uma floresta sustentável e economicamente viável. Naturalmente exige ser integrado numa estratégia concertada com as entidades oficiais, mercados e outros serviços existentes da fileira;

– As políticas públicas deverão direcionar e reforçar as fontes de financiamento para a melhoria da condição da floresta, na vertente estrutural e funcional. É, pois, urgente que o Fundo Florestal Permanente (imposto verde sobre a venda de combustíveis em Portugal) se direcione para o fim que foi criado – valorizar e gerir floresta. É ainda obrigatório que outros eventuais apoios (quadros comunitários) adotem uma estrutura de medidas descomplexada e ajustada à realidade rural e necessidades da floresta do Norte e Centro de Portugal;

– A intervenção na área florestal faz-se com ações no terreno e envolvendo os produtores florestais, pelo que é indispensável criar condições políticas, ferramentas e meios, para que isto aconteça. Ninguém investirá na floresta se não vislumbrar algum resultado, mesmo que seja a longo prazo.  O reconhecimento público dos bens e serviços oferecidos pela floresta à nossa sociedade (serviços de ecossistema), bem como a fiscalidade, podem ser importantes ferramentas de incentivo ao investimento, diferenciando positivamente os produtores cumpridores das boas práticas e da legislação florestal.

Em resumo, é fundamental que os Governos e Instituições do setor estejam alinhados em estratégia única que motive o investimento. Acima de tudo é necessário um pacote legal agilizado que torne o funcionamento da atividade florestal mais simples e expedito que promova o investimento em gestão e que inverta o sentido da política florestal, premiando ou discriminando positivamente os produtores florestais que já fazem bem e dentro das regras do país.

Cremos que todos somos poucos para termos uma floresta ao serviço de todos, sem esquecer quem dela cuida no sentido do provérbio africano: “Não herdamos as propriedades dos nossos pais, recebemo-las emprestadas dos nossos filhos”.

António Augusto Fontoura de Ataíde Guimarães, presidente da AFBV.

* Presidente da Associação Florestal do Baixo Vouga. Artigo originalmente publicado no jornal Gazeta Rural, no suplemento especial dos 15 anos.

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