“Ao nível do que é importante, a Câmara está muito atrasada e até desfasada da realidade” – Miguel Viegas, candidato da CDU em Aveiro

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Miguel Viegas, cabeça de lista da CDU.
Comercio 780

Miguel Viegas é novamente candidato da CDU à Câmara de Aveiro. A coligação PCP-PEV  procura nas próximas eleições autárquicas recuperar votos e eleitos locais perdidos em 2017. Desta vez, o professor universitário tem a tónica do discurso colocada na “urgência climática”, desafiando os restantes candidatos para consensualizar medidas a tomar na gestão municipal (c/áudio).

Pergunta – É repetente, trata-se da terceira vez consecutiva que concorre. Como explica isso aos eleitores?

Resposta – Sobre isso, digo a brincar: equipa que ganha não se mexe! Não é que tenhamos ganho muita coisa, mas a decisão teve em conta essa parte de uma avaliação do passado e do futuro. Não me considero ainda na idade da pré-reforma. Portanto, dentro do leque disponível a decisão foi essa.

P – Aproveitando a experiência, visibilidade pública de candidaturas à Assembleia da República, também foi Eurodeputado.

R – Admito que sim. Aproveita o que está para trás, mas podemos aprofundar. Agora não posso deixar de destacar que na Assembleia Municipal há uma aposta num jovem, o David Silva, com enorme potencial, que tem participado já nos trabalhos.

P – Mas poderão surgir outras figuras que são também reconhecidas como sendo do PCP? O Filipe Guerra, candidato à Assembleia Municipal há quatro anos ou António Salavessa que foi durante muitos anos presença assídua, por exemplo.

R – Contamos com todos, continuam na equipa, um deles com um contributo inestimável. É importante sublinhar que a matriz da CDU, os valores, o projeto, isso mantém-se. Há uma continuidade que quase se sobrepõe às individualidades. Um projeto de esquerda, que aposta em bandeiras nossas, como a valorização do trabalho, dos serviços públicos, entre muitas outras.

P – Em termos de objetivos eleitorais, o que está traçado ? Os partidos querem todos ter mais votos.

R- Claro, mas não é uma obsessão. Vamo-nos bater por ideias e aceitaremos o resultado. Gostaríamos de aumentar a votação. O primeiro objetivo é reconquistar o eleito de Esgueira, tínhamos ali um trabalho de grande qualidade. Também manter os eleitos de S. Jacinto, na União de Freguesias da Glória e Vera Cruz. A conquista de um segundo eleito na Assembleia Municipal é realizável. O vereador é mais ambcioso, mas é possível. São escassos milhares de votos, pelo quais nos iremos bater com toda a energia.

P – A maioria PSD-CDS leva oito anos. O balanço será propício à oposição, onde se inclui a CDU, para subir na votação ?

R – Nós queremos provar aos aveirenses que do ponto de vista do que realmente importa, o que se sobrepõe às prioridades desta ou daquela força política, é a urgência climática. A CDU está inteiramente à vontade, porque as suas velhas bandeiras encaixam perfeitamente nesta batalha. Temos de nos unir, é nossa obrigação, porque estamos à beira do abismo.

P – Tem apontado falhas à Câmara.

Ribau Esteves, neste ponto de vista, tem sérias responsabilidades. Costumo dizer e reafirmo: se houvesse um tribunal ambiental, o presidente seria formalmente acusado de desleixo, tal o desfasamento da política camarária nos últimos anos em relação à urgência climática. Olhamos para a obra feita e vemos estradas, pontes, parques de estacionamento, hipermercados, ou seja tudo completamente à revelia daquilo do que é fundamental fazer. Nem se trata de uma escolha deste o  daquele partido, é um consenso científico alargado que nos vincula a todos.

P -Abrangendo todas as medidas camarárias ?

R – Todas ! Não podemos estar à espera que o vizinho faça, compete-nos também a nós enquanto cidadãos, a nível individual. O nosso objetivo é tornar Aveiro uma referência em matéria de política ambiental. Propomos um plano ambicioso e uma metodologia de escrutínio, neste caso por parte da Universidade de Aveiro, para verificar em cada vertente o resultado concreto na redução das emissões de carbono, da redução do trânsito na cidade, da redução da pegada alimentar. Estudar o resultado do impacto ambiental das medidas que venham a ser tomadas nos próximos anos. São propostas do nosso programa, mas que não estão fechadas. Pretendemos partilhar com as outras forças políticas as ideias num espírito de grande abertura para ter as melhores soluções orientadas para a redução das emissões.

P – Discutimos muito há quatro anos as contas e a dívida. Foi anunciado o reequilíbrio financeiro. Também há obras. O que seria diferente com um cunho da CDU ?

R – Há obras mal feitas, outras connosco não existiriam, como a cave de estacionamento projetada para o Rossio. Outra ponte em betão naquela zona também não seria construída. Não podemos criar mais tráfego automóvel para dentro da cidade. Propomos, por isso, um inquérito à mobilidade no concelho. Precisamos de um plano à escala do concelho para conhecer os fluxos e as expectativas das pessoas em relação à mobilidade. E partir para a elaboração de um plano ancorado nos transportes públicos, na valorização dos modos suaves, com objetivos concretos em termos de redução automóvel.
Temos de avançar como  objetivo de criar transportes públicos tendencialmente gratuitos, isso implicaria reverter a concessão Aveirobus. Podemos manter tudo na mesma e o planeta acaba… não é opção.
Vamos fazer contas: do ponto de vista social e ambiental compensa ? Qual alternativa ? Temos de ter em conta as metas internacionais de redução de carbono, que têm de ter consequências concretas a nível local.

P – Então a cidade está hoje, na vossa opinião, ‘formatada’ num sentido que não acautelou essas necessidades ?

R – Exactamente. Objetivamente, a Câmara executou políticas que vão ao arrepio do que são as normas e metas internacionais que vinculam Portugal em matéria ambiental.

P – Algumas obras, como a renovação da estrada junto às salinas ou a rua da Pega, levam em conta a proteção da subida das águas. São medidas de defesa.

R – É para mitigar a subida dos oceanos, resulta também do impacto ribeirinho da barra do porto. Nem tudo o que foi feito em Aveiro é mau. Mas ao nível do que é importante, do que é fundamental ter realizado, a Câmara está muito atrasada e até desfasada da realidade. Tem de alterar por completo o paradigma da mobilidade. Os cidadãos também precisam de compreender isso e vincularem-se, tomarem consciência que não é apenas a Câmara. Isto não é fácil. Já não é fácil estacionar fora de lugares pagos. Temos de perceber de onde vem o tráfego e ancorar políticas de mobilidade nos transportes públicos. Alcançado esse objetivo, ficará legitimado uma política mais agressiva do ponto de vista do estacionamento, para ir mudando os hábitos. O cidadão tem de ter condições em primeiro lugar para depois poder cumprir o seu papel. Os efeitos são muito positivos, para o ambiente, para as pessoas. Façamos contas e avancemos nesta perspetiva que considero incontornável.

P – Aveiro viu reforçada a ‘indústria do turismo’, tem serviços diferenciados, a Universidade, também viu surgir grandes centros comerciais. Como vê este rumo do desenvolvimento económico nos últimos anos?

R – Uma coisa é a preocupação que possamos ter em relação ao desenvolvimento económico, outra as razões estruturais que levaram à desindustrialização, um conjunto de problemas que nada tem a ver com políticas municipais. Perceber que há competências municipais para ter o desenvolvimento de todos os sectores de forma equilibrada. As competências das câmaras são reduzidas. Tem de ter um território ordenado e que convide ao investimento, mas o rumo depende das grandes políticas nacionais e europeias.
No turismo, a Câmara tem instrumentos para gerir eventuais excessos, que provocam a descaracterização completa  das zonas tradicionais. Temos de ter algum cuidado. Se não fosse o turismo muita da reabilitação não se faria. O alojamento local é de incentivar, o proprietário que investe para ter algum rendimento complementar, isso é uma coisa favorável. Outra coisa é ter prédios inteiros, isso é indústria hoteleira,  desvirtua o que está previsto, por exemplo, no Plano Diretor Municipal (PDM). Demos obrigar a Câmara a intervir, com um regulamento e uma ação fiscalizadora mais firme, com eventuais penalizações.

P –  É também uma dinâmica que tem consequências no mercado habitacional.

R – Isso acontece em outras cidades. O alojamento tradicional torna-se incomportável. Não culpo só as Câmaras, acontece em todas as cidades. Não há milagres, foi um fenómeno novo, com consequências, por exemplo, na gentrificação das cidades. É necessário corrigir ‘o tiro’.

P – Na habitação, houve um esforço grande de reabilitação do parque camarário. O assunto está na ordem do dia, discute-se a necessidade de intervir no mercado, com mais oferta a custos acessíveis.

R – É uma prioridade absoluta, temos de olhar para os apoios do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR). Temos de aproveitar os fundos para corresponder ao desígnio climático, nos subsídios à eficiência energética. No resto, em muitas situações a reabilitação urbana pode dar respostas interessantes, na cidade e nas freguesias. Até pode existir um regulamento específico para proporcionar meios às pessoas para reabilitarem as suas casas. Ficarei chocado se nascerem novas áreas habitacionais e casas ao lado a cairem. Isto aconteceu nos últimos 20, 30 anos. É preciso consolidar os núcleos urbanos. Não zonas habitacionais a custos controlados desgarradas umas das outras, isso é um contrassenso. Pelo menos que obedeçam a uma lógica de consolidação das áreas urbanas já existentes.

  • Coesão cidade / freguesias

“Não vemos grande dinâmica, continua a ser um concelho com uma macrocefalia muito grande. É óbvio. É muito difícil mudar a realidade, mas podemos salvaguardar as suas funções distintas. É tempo disso, e voltamos à urgência climática. Por exemplo, revitalizar as funções agrícolas para ajudar a revitalizar essas populações. Por isso propomos um gabinete específico para apoiar a instalação de jovens agricultores, para facilitar o acesso aos fundos europeus. Sabemos perfeitamente que vão ser apoiados projetos para encurtar circuitos curtos de produção e comercialização, com redes de proximidade entre agricultores e consumidores, privilegiar o consumo local. O território tem potencial enorme, seria quase criminoso ignorar. Só tem vantagens. Tem de haver um plano específico nesse sentido. Criar uma central de compras para quem produz, vende e compra. É preciso planear de forma coordenada, de forma que favoreça todos. Temos outras propostas, por exemplo valorização da biomassa, que resulta da atividade agrícola e florestal. Existem muitas soluções que resultam no aproveitamento energético e não só.”

  • Atividade cultural / Candidatura a Capital Europeia da Cultura

“Nos contactos que temos com agentes locais dizem-nos que há muito pouco diálogo com a Câmara, que não aproveita o potencial. Uma coisa é ter uma boa programação, nada contra, outra coisa é potenciar as forças vivas do concelho. Há subsídios, é evidente, mas na produção cultural a Câmara poderia fazer muito mais, o que passa por envolver as pessoas na produção. Isso é um elemento essencial. É preciso aproveitar melhor as associações”.

  • Desporto e exercício

“Tenho ligação à náutica de desporto e é uma pena o que acontece na zona da antiga lota, tem enorme potencial desportivo, social e de convívio. Nada foi feito em oito anos. O acesso aos canais com prática desportiva como acontece em Aveiro não existe em muitos locais.
O exercício tem de ser incentivado. É vital perceber que vamos ter de preparar as cidades para o aumento da idade das populações em termos de mobilidade, redesenhar as cidades. Aveiro não vai fugir a isso.
Fiz um mestrado em treino desportivo, na tese conclui que nos concelhos das Câmaras que mais investiram em proporcionar exercício físico diminuíram os acidentes cardiovasculares e doenças oncológicas. É uma forma de sublinhar algo que se esquece, por vezes. Há uma necessidade objetiva de pôr as pessoas a mexer. Os novos paradigmas da mobilidade também devem ter em conta isso. Conquistar espaço ao automóvel em benefício do peão e da bicicleta também tem a ver com a saúde das pessoas. Para isso são precisas políticas concretas. Não as que temos visto em Aveiro, onde surgem estradas maiores, rotundas maiores, pontes maiores, parques de estacionamento e hipermercados maiores. Isto é estar completamente desfasado da urgência climática.

  • Ampliação do hospital

“Reuni com a presidente do hospital quando alguns advogavam um hospital novo, fora da cidade. O necessário é atender a carências urgentes, que são para ontem, como a presidente disse. É fundamental requalificar o hospital e aproveitar os terrenos ao lado.”

Declarações em áudio

Miguel Viegas fala sobre “a bandeira da urgência climática” defendendo o envolvimento da Universidade de Aveiro e a “conciliação” com outras candidaturas, enunciando também obras que a CDU não faria em Aveiro.

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