Talvez o futuro da UA seja em português E in English

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Universidade de Aveiro.
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A grande questão é, como tornar a Universidade de Aveiro (UA) uma instituição realmente global sem desvalorizar seu prestígio no mundo lusófono?

Por Marcelo Kremer *

Historicamente, o latim foi a língua comum utilizada nas universidades europeias, no ensino, investigação e comunicação académica. Assim, académicos portugueses podiam partilhar conhecimento com colegas alemães sem a necessidade de saber uma só palavra em alemão. Da mesma forma, tinham acesso a conhecimento publicado por colegas suecos, britânicos e todos os que faziam parte da comunidade académica. Chamamos de língua franca a esta língua usada na comunicação entre pessoas que falam diferentes línguas maternas, mas partilham uma língua estrangeira. Aqui podemos ver uma grande vantagem na adoção de uma língua franca. Bastava aprender latim, que académicos de toda a Europa se encontravam preparados para participar da discussão académica. Entretanto, havia um lado excludente. Afinal de contas, quantos eram os portugueses que sabiam latim durante a Idade Média?

Posteriormente, o uso do latim nas universidades começou a declinar até ser totalmente suplantado pelas línguas locais. Desde então, a língua portuguesa é um bastião central da academia portuguesa e suas universidades gozam de grande prestígio em serem hubs da língua portuguesa na Europa (aqui uso uma expressão inglesa justamente para, levemente, provocar. Logo falaremos sobre isto). Por séculos, essa posição de prestígio se refletiu na presença de estudantes das então colónias. Atualmente, estudantes das ex-colónias chegam em expressivos números às universidades portuguesas. Na Universidade de Aveiro, os países com maior número de alunos estrangeiros são: Brasil, Angola e Guiné-Bissau.

Se o latim ficou no passado, hoje, o inglês é a língua franca nas universidades de todo o globo. Além de ser a língua das publicações e eventos, recentemente, vemos o seu uso como língua de instrução. Por exemplo, um curso de mestrado em bioquímica na Dinamarca. Sabendo que pouquíssimos estrangeiros falam dinamarquês, este curso é oferecido em língua inglesa para atrair estudantes e professores de todo o mundo. O número de universidades que segue essa estratégia cresce exponencialmente no mundo.

As universidades portuguesas têm uma decisão a tomar. Por um lado, elas gozam de uma posição de prestígio no mundo lusófono, por outro, é impossível não pensar que oportunidades valiosas talvez estejam sendo desperdiçadas. No plano estratégico da Universidade de Aveiro 2023-2026, a UA explicita a necessidade de procurar novas geografias e reconhece que só a dimensão global pode trazer sustentabilidade. A grande questão é, como tornar a UA uma instituição realmente global sem desvalorizar seu prestígio no mundo lusófono?

Adotar o inglês como meio de instrução em algumas situações é um caminho. Penso que a decisão sobre quais cursos são oferecidos em inglês deve ser tomada pelos departamentos e docentes, que podem julgar quando será benéfico. Ao mesmo tempo, é necessário que haja suporte a nível institucional para que professores e alunos possam lidar com os constrangimentos impostos pelos processos de ensino e aprendizagem em uma língua estrangeira. Também é necessário discutir maneiras para que o uso do inglês represente uma mais-valia para os alunos em termos académicos e de futuro profissional, e não seja excludente, como o latim. Apesar do bom nível de proficiência em inglês dos portugueses, processar uma segunda língua enquanto aprendemos conteúdos académicos não é uma tarefa fácil.

Voltando à questão levantada no título, talvez o futuro da UA seja em português E in English.

* Investigador da unidade de investigação CIDTFF, da Universidade de Aveiro (UA), a propósito da adoção do inglês como língua de ensino. Artigo publicado originalmente no site UA.pt.

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