Redefinir a nova normalidade nas cidades

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Rua dos Mercadores, Aveiro.

Quando começaram a surgir notícias sobre o impacto da Covid-19 numa longínqua província chinesa, poucos acreditaram na probabilidade de, em apenas algumas semanas, passarmos a viver com enormes restrições de liberdade e mobilidade.

Por Miguel Eiras Antunes, Partner, Deloitte Global Smart Cities & Local Government Leader e Jean Barroca, Global Smart Cities and Urban Development Specialist, Deloitte

Na gestão das cidades, os autarcas, até então a braços com os desafios de desenvolvimento urbano e turístico, tiveram de rapidamente acertar agulhas aos novos desafios do momento e assegurar aspetos fundamentais da vida das pessoas: a segurança e a saúde de todos; a sobrevivência das empresas e do tecido económico local; e a continuidade da prestação de serviços públicos de qualidade à população para garantir o funcionamento da sociedade.

Após esta etapa de resposta, assistimos hoje ao esforço do poder local para assegurar um regresso faseado à normalidade, com o controlo da evolução do número de casos e, em simultâneo, para apoiar o tecido empresarial no relançamento das suas atividades, em especial os pequenos e médios empresários.

Não se trata apenas de transferir velhos procedimentos para um formato digital, mas da reinvenção da forma de prestação dos serviços ao público. Mais do que responder às solicitações dos cidadãos, as entidades e organizações públicas deverão ter a capacidade de prever e antecipar as suas necessidades.

Em curso está ainda a redefinição da nova normalidade das cidades. Prevêem-se alterações profundas em vários pilares da nossa vida em sociedade – economia, educação, mobilidade, entre outras –, e a singularidade do momento que vivemos é uma oportunidade de quebra com as velhas ortodoxias, em especial no setor público, cujo modelo de funcionamento está em profunda alteração.

Os municípios terão de ter a capacidade de redesenhar rapidamente a forma como comunicam e como se relacionam com os cidadãos. Habituados a uma gestão de equipas presencial, as administrações públicas deverão estar preparadas para um novo normal de telepresença com maior controlo da performance dos funcionários e também com maior accountability e transparência.

O número de presenças físicas necessário para tramitir de procedimentos na administração pública terá de diminuir drasticamente, potenciado pelo caráter cada vez mais ubíquo das assinaturas e das identidades digitais, pela diminuição das burocracias e pela melhoria da interoperabilidade entre serviços. Não se trata apenas de transferir velhos procedimentos para um formato digital, mas da reinvenção da forma de prestação dos serviços ao público. Mais do que responder às solicitações dos cidadãos, as entidades e organizações públicas deverão ter a capacidade de prever e antecipar as suas necessidades.

Não obstante, é igualmente verdade que, com esta crise pandémica, foi possível desmistificar a ideia de que a regulamentação na administração pública é um processo lento e inflexível, e que os processos de contratação pública são demasiado rígidos e morosos.

Os últimos tempos mostram-nos, aliás, como o Estado e as estruturas públicas têm capacidade de agir de forma ágil e eficaz. Essa capacidade de adaptação não deve cingir-se aos tempos de combate à pandemia, sendo que ao longo dos próximos anos, que se adivinham desafiantes do ponto de vista económico e social, este fator será o que irá distinguir as cidades e os países que serão bem ou mal sucedidos na recuperação desta crise.

A sociedade como um todo, aliás, deve estabelecer procedimentos de transparência e regulamentação mais rápidos e eficazes. Responder a estas ortodoxias com rasgo, inovação, determinação e coragem é uma oportunidade que Portugal não deve perder. Acreditamos que a pandemia irá demonstrar como esses serão os ingredientes do sucesso das cidades do futuro.

* Artigo publicado originalmente na revista Smart Cities.

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