Qual o contaminante mais preocupante na Ria de Aveiro?

2827
Ria de Aveiro.
Comercio 780

A monitorização regular da zona evidencia que o pico de contaminação está atualmente aos 30-40 cm de profundidade, pouco disponível para as espécies existentes na zona, e sem implicações ecológicas significativas.

Por João Pedro Coelho *

Historicamente, o contaminante alvo de mais estudos científicos na Ria de Aveiro é o mercúrio, preocupante devido à sua elevada toxicidade (com efeitos adversos no sistema nervoso central) e à sua capacidade de acumular nos organismos e ser transferido ao longo das cadeias tróficas.

A sua relevância na Ria de Aveiro deve-se a décadas de descargas de efluentes do Complexo Químico de Estarreja, que levaram à acumulação de toneladas deste contaminante nos sedimentos do Largo do Laranjo, na Murtosa.

Felizmente, o problema foi circunscrito pelo facto de a zona afetada constituir uma baía confinada (cerca de 2 km2) e com baixo hidrodinamismo, limitando a sua disseminação para o resto da Ria de Aveiro. A redução drástica das descargas de efluentes (a partir da década de 90) e a implementação da Diretiva-Quadro da Água, que estabelece um quadro de ação comunitária para a proteção das águas de superfície, desencadeou o processo de remediação natural do sistema, ainda em curso.

A boa notícia é que a monitorização regular da zona evidencia que o pico de contaminação está atualmente aos 30-40 cm de profundidade, pouco disponível para as espécies existentes na zona, e sem implicações ecológicas significativas para o resto do sistema lagunar.

Ainda assim, estima-se que estejam armazenados nos sedimentos desta bacia interior aproximadamente 20 a 30 toneladas de mercúrio, que poderão constituir um risco ecológico em situação de perturbação física, como por exemplo dragagens ou tempestades (cada vez mais frequentes no contexto atual de alterações climáticas).

Este tipo de eventos promove a ressuspensão dos sedimentos, e poderá expor estas camadas contaminadas e aumentar os riscos de contaminação. Nesse sentido, e com o intuito de minimizar os riscos de remobilização dos sedimentos, estão em curso projetos piloto que visam a sua estabilização nesta zona através de soluções baseadas na natureza, por exemplo pela recolonização com vegetação nativa (pradarias de ervas marinhas).

* Especialista em monitorização de estuários contaminados e remediação de ecosistemas – CESAM – Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da Universidade de Aveiro (publicado originalmente no site da UA / “Pergunte a um cientista”).