O segredo das pataniscas de bacalhau ´negras´

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'Tapas' de bacalhau, projeto 'Gastronomia de Bordo'.
Comercio 780

À vista, as pataniscas de bacalhau escurecidas não deixa de surpreender aqueles que não conhecem, mas no paladar, quem se atreve na prova, não diz mal do ingrediente ´secreto´. Pelo contrário, é capaz de convencer os mais tradicionalistas.

Este é um dos aperitivos da ementa experimental que tem vindo a ser criada no âmbito da rede “Territórios com História: o Mar, as Pescas e as Comunidades”, financiado pelo Portugal 2020, de que fazem parte os municípios de Ílhavo, Murtosa e Peniche, na região Centro do País, onde existe forte cultura marítima.

Um esforço que não só serve para ajudar a preservar receitas típicas de zonas piscatórias, que o tempo ameaça apagar, como também dar novas ´roupagens´ a pratos tradicionais, como sucedeu com a ´invenção´ da chamada ´patanisca negra´.

Chef´s e candidatos ao ofício envolvidos no projeto ´Gastronomia de Bordo´ pesquisaram registos bibliográficos e andaram pelas comunidades piscatórias para conhecer as espécies mais comuns, os ingredientes que fazem a diferença nas receitas e, o que é indispensável, memórias e ´saber fazer´ ancestral de homens e mulheres.

Um périplo em busca do bacalhau dos mares do Norte que é transformado em Ílhavo, da sardinha, do carapau e do quelme de Peniche e dos sabores da enguia e dos bivalves apanhados na Ria de Aveiro pelas mãos da comunidade de pescadores da Torreira, na Murtosa. Um trabalho académico a que restaurantes daquelas localidades vincadamente piscatórias aderiram para ´rechear´ as suas ementas dentro de mais alguns meses.

“Queremos continuar as receitas e produtos tradicionais, mas procuramos acrescentar algo diferenciador, um cunho inovador, que seja uma mais valia”, adiantou Patrícia Borges, chef e professora na Escola Superior de Tecnologia do Mar e do Instituto Politécnico de Leiria, que é a curadora do projeto.

Na capital da pesca longínqua, de onde partem os últimos bacalhoeiros portugueses, reina o fiel amigo e os seus derivados reinventados para acrescentar mais algumas às suas ´mil e uma receitas´ já conhecidas.

Um antigo cozinheiro das campanhas da ´faina maior´ ensinou como se confecionava a bordo a ´chora´ (sopa de cabeças e/ou caras de bacalhau), os samos e as línguas de bacalhau. Mas também deixou ficar receitas do ´pão da panca´ e do ´queque dos domingos´ que era dado aos pescadores como sobremesa.

Aperitivos com bases tradicionais que permitem “novas experiências”

Partindo da “base” tradicional, arriscam-se agora entradas que permitem “novas experiências”: a patanisca de bacalhau tornada ´negra´ pela tinta de choco; o bacalhau fresco fumado, junto com bacalhau assadado; escabeche com bacalhau fitado; ceviche de bacalhau com salicórnia ou pasta de azeitona e bacalhau com fitado são alguns dos exemplos já ensaiados.

“Provei e gostei muito, está lá o bacalhau”, sentenciou João Madalena, Grão Mestre da Confraria Gastronómica do Bacalhau, assumindo-se como liberal na maneira de confecionar o bacalhau “sem nunca adulterar o sabor, que sagrado”.

A mostra de ´tapas´ irá ser submetida aos paladares mais exigentes que passam pelo concorrido Festival do Bacalhau, na Gafanha da Nazaré, de 8 a 12 de Agosto.

Festival de ´Gastronomia de Bordo´ em Novembro

Conferidas as reações e feitos eventuais acertos nos condimentos, o resultado final será apresentado aquando do primeiro Festival de ´Gastronomia de Bordo´, de 14 a 18 de Novembro, em Ílhavo.

“Queremos valorizar a gastronomia tradicional com os restaurante locais. Pegar nos nossos produtos, no bacalhau e seus derivados, como os samos, as línguas, as caras, e dar uma roupagem nova, criar receitas e inovar”, explicou Fátima Teles, vereadora da autarquia ilhavense que acompanha a rede intermunicipal dinamizada pelo projeto “Territórios com História: o Mar, as Pescas e as Comunidades”.

Até ao Festival ´Gastronomia de Bordo´, os parceiros envolvidos vão “experimentar as iguarias”, algumas das quais eram as refeições dos pescadores nas “longas campanhas” da pesca do bacalhau. “Estamos a recolher essas receitas e a tentar dar uma identidade única, para valorizar e preservar”, explicou a autarca.

Vinhos ´Faina Maior´ com cardápio alargado a Bairradas DOC tinto e branco

A Associação Rota da Bairrada reforçou a sua ligação ao bacalhau com a marca “Faina Maior”, que presta homenagem à pesca longínqua. Depois do espumante (Caves São João, 100% Baga) lançado em 2017, este ano o cardápio inclui dois vinhos ´gastronómicos´ de produtores Bairrada DOC selecionados em ´provas cegas´ para melhor acompanhar o prato mais apreciado pelos portugueses: um branco de 2016 da Casa do Canto (Arinto, Sauvignon Blanc, Bical) e um tinto de 2014 da Adega Rama (Touriga Nacional, Baga, Syrah, Merlot). Novidades em estreia absoluta durante o Festival do Bacalhau.

“São vinhos que pedem comida: o branco para pratos mais ligeiros, com menos temperos; o tinto tem mais volume e estrutura de boca, portanto pede um prato mais exigente de bacalhau, prato mais gordo, porque é regado por azeite e precisa de equilibrado pelo vinho”, explicou Luciana Sardo, técnica na Rota da Bairrada.

Festival do Bacalhau alcança estatuto de “maior do país”

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