Mais plástico do que peixe no mar?

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Campanha contra o plástico no mar (arquivo).

O PAN apresentou na última Assembleia Municipal de Aveiro várias propostas para uma diminuição da utilização de plásticos.

Marta Dutra *

Temos considerado desde sempre, ou pelo menos temo-nos comportado como tal, que o Planeta Terra possui recursos inesgotáveis e que poderemos consumir e produzir lixo contínua e inconsequentemente.

Contudo, a realidade é bem diferente e face a um consumismo desenfreado, onde quase tudo é descartável, e perante a sucessiva falta de importância dada a estas matérias, chegamos a um ponto em que perdemos a capacidade de gerir eficazmente os nossos resíduos e em que para manter o nosso estilo de vida actual, em Portugal, por exemplo, necessitaríamos de 2,2 Planetas para repor os recursos naturais.

Cada vez esgotamos mais cedo, a cada ano, o orçamento de recursos naturais que o Planeta consegue produzir para nos manter, estamos a viver a crédito há muito tempo.

Quando pensamos na necessidade de gerir eficazmente os nossos resíduos, inevitavelmente temos de ponderar os plásticos. Uma garrafa de plástico, por exemplo, pode durar 450 anos, se não for reciclada.

Se é verdade que o plástico constitui um material resistente que veio, a título de exemplo, transformar a forma como muitos alimentos são embalados, facilitando esse processo e a sua conservação, também é verdade que utilizamos plásticos banalmente no nosso dia-a-dia. Metade da produção de plásticos concentra-se nos últimos 15 anos, sendo que a sua maioria não provém de recursos reciclados, nem é posteriormente reciclado ou reutilizado.

São despejados anualmente 8 milhões de toneladas de plástico no mar, o equivalente a um camião de lixo por minuto. A ilha de plástico existente no Pacífico possui cerca de 1,6 milhões de Km2, 17 vezes a dimensão de Portugal. (Mas nem precisamos de ir ao Pacífico para ver plásticos no mar ou na praia, para isso basta dar um passeio ao longo da nossa costa.)

Esta situação é tão grave que no relatório, de 2016, “The New Plastics Economy: Rethinking the future of Plastics”, o Fórum Económico Mundial lançou um alerta para o facto de que, se mantivermos a situação actual, se nada for feito para a redução do consumo de plástico, em 2025 os oceanos possuirão 1 tonelada de plástico por cada 3 toneladas de peixe e em 2050 teremos mais plástico no mar do que peixe.

Esta realidade trás sérias consequências, quer para a saúde humana, quer para a vida animal. Recentemente foram apresentadas as conclusões de um estudo em que se comprovou a existência de microplásticos em seres humanos e onde foram identificados até 9 tipos diferentes de plásticos, sabendo-se que determinadas substâncias químicas do plástico são prejudiciais para a saúde humana.

Para além disso, de acordo com dados da UNESCO, morrem anualmente 100 mil mamíferos marinhos e 1 milhão de aves marinhas devido à ingestão de plásticos. Foi noticiada recentemente a morte de uma baleia na Tailândia devido à ingestão de 80 sacos de plástico, o que a impediu de se alimentar. A mesma causa motivou, em Junho deste ano, a morte de um cachalote em Espanha, com 29Kg de plástico no estômago.

Começam a ser tomadas medidas para mitigar esta situação. O Parlamento Europeu aprovou uma proposta para interditar a venda de uma série de plásticos de uso único na União Europeia, a partir de 2021, substituindo o seu fabrico por materiais sustentáveis. Nestes plásticos a proibir incluem-se: pratos, talheres, palhinhas, cotonetes, agitadores de bebidas, varões de balões; os quais representam 70% do lixo marinho.

Portugal, em concreto, está a falhar as metas de reciclagem definidas pela União Europeia: apenas 22% do lixo produzido foi para os sistemas de reciclagem e compostagem, o que valeu a Portugal a integração na lista negra dos países que não estão a fazer o suficiente em termos de reciclagem, o que nos valerá um acompanhamento técnico de Bruxelas, a partir de 2019, para assegurar o cumprimento das metas estipuladas.

Entretanto, começámos a dar alguns passos no cumprimento destas metas. A Assembleia da República aprovou, a 26 de Outubro de 2018, um sistema de incentivo ao depósito de garrafas de plástico, vidro e de alumínio, que depois seguirão para reciclagem. O Conselho de Ministros também aprovou – Resolução nº 141/2018, de 26 de Outubro, a proibição do uso de plástico de uso único ou descartável ao nível do Estado e organismos da Administração directa e indirecta.
Alguns municípios portugueses já começaram a trazer esta matéria para discussão pública, alguns dos quais já iniciaram a implementação de medidas para a redução do uso do plástico, bem como para uma maior reciclagem.

Com esse intuito, o Grupo Municipal do PAN – Pessoas – Animais – Natureza – Aveiro apresentou na última Assembleia Municipal, em Novembro de 2018, várias propostas para uma diminuição da utilização de plásticos de uso único ou descartável no município, nomeadamente:

1. O desenvolvimento de uma campanha para a promoção do consumo de água da torneira, em detrimento do uso de água engarrafada;

2. A redução gradual da utilização de plásticos de uso único ou descartável nos serviços da autarquia e em todas as actividades e eventos promovidos pela Câmara Municipal de Aveiro;

3. A implementação de medidas para que, no âmbito dos procedimentos de contratação pública para aquisição de bens e serviços, a Câmara deixe de adquirir e utilizar loiça de plástico de uso único ou descartável;

4. À semelhança do que acontece em algumas cidades europeias, que a Câmara de Aveiro disponibilize pontos de enchimento de água da torneira, nomeadamente em edifícios municipais de serviços e escolas, assim como em espaços públicos de grande afluência de pessoas e distribua garrafas reutilizáveis;

5. Que a Câmara de Aveiro apoie todos os estabelecimentos – cafés, bares, empresas, galerias, museus, etc. – que queiram aderir à campanha, através da facilitação da colocação de pontos de enchimento das garrafas reutilizáveis.

As três primeiras propostas foram aprovadas, contudo, consideramos que se poderia ter ido mais longe no exemplo e na sensibilização aos munícipes Aveirenses e a quem nos visita, enquanto município preocupado com as questões ambientais. Ao contrário das razões apontadas pela maioria PSD/CDS na Assembleia Municipal, que serviram para a rejeição das medidas propostas nos pontos 4 e 5, já várias capitais europeias o fazem. Em Portugal, a título de exemplo, a Câmara Municipal de Santo Tirso anunciou a instalação de 47 bebedouros públicos no concelho, a somar aos 10 existentes. Outros municípios têm distribuído garrafas de plástico, ou de vidro, reutilizáveis, de modo a incentivar a redução do consumo de garrafas de plástico de uso único.

A própria reciclagem não se faz sem poluição, pelo que temos de considerar com urgência a diminuição da produção e consumo de artigos embalados em plástico. A economia circular assume um papel fundamental nos dias de hoje, importa promover o uso eficiente de recursos, através da redução, reutilização, recuperação e reciclagem de materiais. Não poderemos, ou não deveremos, continuar a produzir/consumir como se isso não trouxesse consequências ao Planeta e a nós próprios. Longe vai, ou deveria ir, o tempo em que muitos pensavam que os problemas climáticos e de gestão de resíduos seria algo a resolver pelas próximas gerações. Esse momento chegou e ou assumimos os nossos erros e trabalhamos para o nosso próprio presente e futuro ou, caso contrário, pagaremos todos um preço muito elevado por isso.

Este é um dos grandes desafios da Humanidade actualmente, a par com as alterações climáticas: produção de materiais sustentáveis, consumo consciente e gestão eficaz dos nossos resíduos. Esta urgência não é para daqui a dez anos, é para hoje.
Entretanto, no tempo dedicado à leitura deste artigo, foi despejada no mar uma quantidade de plástico equivalente a 9 camiões de lixo.

* Grupo Municipal do PAN – Pessoas – Animais – Natureza – Aveiro.