“Estamos todos no mesmo barco” ?

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Restauração em tempo Covid (imagem TVI).

Em termos de balanço ao ano de 2020, para que se perceba que é uma falácia a frase tantas vezes repetidas nos últimos tempos “Estamos todos no mesmo barco”, decidimos escrever e comunicar para que fique para memória futura, que se os sectores que representamos, hipoteticamente e apenas por ironia se considerassem um navio, iríamos ter sempre os que trabalham e vivem da sua força de trabalho, a viajar no espaço do convés, na casa das máquinas, sendo que muitos foram os primeiros que foram jogados ao mar, sem nenhuma bóia de salvação, ou seja, pelos mesmos que nos últimos anos viram crescer a sua riqueza e não a distribuíram, congelando ano após ano os salários dos trabalhadores.

Por António Baião *

Existem muitas empresas e estabelecimentos da hotelaria, restauração, bebidas e similares que continuam encerrados, apesar de os trabalhadores já não estarem em lay-off, algumas empresas, sobretudo hotéis conseguiram recorrer à medida de apoio à retoma progressiva, com a redução do período normal de trabalho, total ou parcial, mas a maioria sobretudo na restauração, encerraram e fizeram despedimentos, sem respeitar ou pagar os direitos devidos aos trabalhadores. Muitos trabalhadores do sector da hotelaria, restauração e bebidas, estão hoje sem apoios sociais, porque só alguns poucos usufruem do subsídio de desemprego.

O encerramento de uma empresa ou estabelecimento, sem cumprimento dos formalismos e procedimentos legais, configura a prática de um crime, previsto e punível por lei, exigimos desde a primeira hora, aos organismos de fiscalização da Segurança Social e da ACT, que atuassem junto das empresas e obrigassem a sua reabertura, verificando a legalidade dessa decisão e se os direitos dos trabalhadores tinham sido ou não salvaguardados, nada disso foi feito.

Solicitámos ainda que as ajudas do Estado fossem diretamente dadas aos trabalhadores que ficaram sem recursos, uns porque foram os primeiros a ser despedidos por se encontrarem com vínculos precários, outros porque as empresas com dividas não foram elegíveis para obter os apoios e encerraram, deixando os trabalhadores à deriva e a recorrerem apenas alguns, os mais esclarecidos à ajuda dos sindicatos para poderem requerer os seus direitos. Como as medidas de apoio decididas pelo Governo, passaram pelo apoio indireto por via das empresas, ficaram de fora e para trás, milhares de trabalhadores destes setores, como são exemplo os trabalhadores da empresa Setor Mais, que apesar de terem sido colocados na figura da Lay Off, a empresa não lhes pagou os salários de junho e julho, fazendo com que tivessem que suspender o seu vinculo contratual para acederem ao subsídio de desemprego e em janeiro, farão o despedimento com justa causa.

Muitos trabalhadores(as) trabalham em unidades de restauração coletiva que continuaram a laborar, são exemplos os refeitórios escolares, a estes trabalhadores(as) no caso da região centro, já denunciado pelo sindicato, a empresa ICA que as contratou no inicio do ano letivo, fez o despedimento a 18 de Dezembro e com a promessa de as contratar no inicio do 2º período, mas não lhes pagou como devia, o salário dos 18 dias trabalhados, a compensação por caducidade, o subsídio de férias e as férias não gozadas, referentes ao contrato que fez cessar.

Os trabalhadores dos sectores, Hospitalização Privada, Lares de IPSS e Misericórdias, da Alimentação, Lavandarias, Recolha e tratamento de resíduos, limpeza e manutenção hospitalares, estiveram na primeira linha desde o inicio da pandemia ao assegurarem a alimentação aos médicos, enfermeiros, demais funcionários hospitalares e doentes, incluindo as vitimas da Covid-19, bem como ao assegurarem outros serviços de apoio designadamente de lavandaria, manutenção, resíduos hospitalares manutenção e limpeza, assim como cuidar e tratar os utentes, a quem foi solicitado uma proteção especial tendo em conta o aumento do risco que a idade acarreta.

Estes trabalhadores, continuam a ser confrontadas com regimes de escala de 12 horas diárias, depois do período mais intenso da pandemia onde se viram sujeitos a permanências de 7 a 15 dias sem saída das instituições, adiamento das férias, recusa de dispensa ao trabalho para assistência aos filhos, falta de pessoal e ritmos de trabalho intensos, numa primeira fase, falta de equipamentos de proteção individual e coletiva, até hoje falta de testes de despistagem da Covid-19, etc.

Estes trabalhadores(as) já antes da pandemia, trabalhavam com condições péssimas, resultado de um completo desinvestimento do Estado/ Governo e Administrações de Hospitais e Instituições, continuam a enfrentar esta batalha sem que vejam melhorias nos equipamentos, utensílios e espaços físicos, onde acresce a falta de pessoal nos quadros de todas as unidades, que se agravou, com a não substituição de trabalhadores em baixa médica ou gozo de férias e onde o foram e são insuficientes e sem que seja dada qualquer formação inicial, antes de serem colocados em escala, sendo ainda em alguns casos exigido o seguimento de turnos.

A qualidade do serviço que se presta hoje aos utentes e profissionais, não cumpre os requisitos de qualidade e segurança alimentar e de higiene de serviços de alimentação, lavandaria, resíduos, exigidos e que os trabalhadores(as) querem e gostariam de praticar. No sector social os ritmos de trabalho elevados, com a situação de muitos profissionais infetados ou em isolamento, que não são substituídos, também originam diminuição da qualidade do serviço prestado e devido aos utentes.

Alguns destes trabalhadores(as), foram equiparados aos trabalhadores da saúde para cumprimento de deveres, mas não são equiparados aos trabalhadores da saúde para beneficiar de direitos, o exemplo está na compensação complementar que vão receber os funcionários públicos do SNS, mas que não os contempla.

O trabalho e o empenho dos trabalhadores(as), nesta fase difícil das suas vidas, não foram minimamente valorizados pela administração das empresas concessionárias, nem pelas administrações hospitalares e Governo, o mesmo acontecendo com a maioria das direções das IPSS e Misericórdias que tratam os trabalhadores(as) como números exigindo-lhe o cumprimento de todos os deveres e esquecendo que estes também têm direitos.

Os salários praticados nestes setores da hotelaria, restauração pública e coletiva,, no sector social e de serviços hospitalares, públicos e privados são muito baixos, muitos ganham o Salário Mínimo Nacional e outros poucos, um pouco mais.

Desde 2019, ainda antes da Pandemia, as associações patronais, recusaram quaisquer aumentos salariais.

Neste Natal diferente mas tão igual, os Sindicatos e os trabalhadores(as) destes sectores exigem:
1. Reabertura imediata de todas as empresas e estabelecimentos;
2. Reintegração de todos os trabalhadores despedidos;
3. Reposição de todos os direitos dos trabalhadores, designadamente férias, horários, prémios, subsídios e outras prestações retributivas;
4. Pagamento dos salários em atraso;
5. Pagamento do subsídio de alimentação em conformidade com o CCT;
6. Ocupação efetiva dos postos de trabalho sem redução do horário e com o pagamento dos salariais a 100%;
7. Condições mínimas de segurança e proteção da saúde dos trabalhadores em todos os locais de trabalho;
8. Realização de testes de despistagem aos trabalhadores que exercem funções nas cantinas hospitalares, lavandarias, resíduos, manutenção e demais serviços ligados ao setor da saúde e social;
9. Compensação complementar para os trabalhadores que, em tempos de pandemia, estiveram também na linha da frente, designadamente nos hospitais, lavandarias e resíduos;
10. Respeito pelos direitos da contratação coletiva;
11. Revogação das normas gravosas do Código do Trabalho, designadamente daquelas que preveem a caducidade da contratação coletiva, que põem em causa o direito ao tratamento mais favorável, que reduzem o valor do trabalho suplementar, que reduzem os dias de férias, etc.;
12. Negociação de aumentos salariais dignos e justos para todos os trabalhadores dos diversos setores;
13. Uma atuação exemplar da ACT, coerciva e penalizadora, e anulação de todos os despedimentos e outros atos ilegais praticados pelas empresas desde março.

* Dirigente do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Centro.

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