Foto partilhada pelo Facebook da Associação Cabeço Santo.

A educação ambiental tem sido, há décadas, um conceito essencial para despertar a consciência ecológica e promover práticas sustentáveis. No entanto, ela é muitas vezes percebida como um conjunto de informações teóricas e distantes da experiência direta com o meio natural.

Por Mónica Maia-Mendes *

Por outro lado, a literacia de natureza propõe um envolvimento mais profundo, uma relação de conhecimento, vivência e interação constante com os ecossistemas. Como referia Rachel Carson: “O sentido de maravilhamento é um dos mais duradouros presentes que podemos oferecer a uma criança”.

Esse sentimento é a base sobre a qual se constrói uma verdadeira consciência ecológica. Trata-se de aprender com uma narrativa inovadora, onde a educação ambiental deixa de ser um conjunto de conteúdos teóricos para se transformar num processo sensorial, onde aprender é, antes de tudo, estar imerso na natureza.

A literacia de natureza proporciona uma experiência holística, integrando as dimensões histórica, cultural e ecológica que moldam o nosso ambiente. Não se trata apenas de educar sobre o meio ambiente, mas de viver e aprender com ele – como se cada árvore, cada curso de água e cada paisagem fosse um livro aberto para ser lido com os olhos e com o coração.

Como defende David Sobel, “é essencial que as crianças aprendam a amar a Terra, antes de serem chamadas a salvá-la”.

Nesse sentido, a literacia de natureza ultrapassa os limites da simples transmissão de informações e convida a que nos tornemos protagonistas da nossa própria aprendizagem. A partir dos princípios da sensibilidade, da informação, da competência e da motivação, somos chamados a agir – a transformar o nosso quotidiano e a renovar a nossa relação com o mundo natural. Assim, a educação deixa de ser algo estático e converte-se num processo dinâmico, onde cada experiência, cada descoberta e cada desafio se traduz em conhecimento renovado.

Uma mudança de paradigma necessária

Este conceito não se limita a transmitir conhecimento, mas sim a construir uma sensibilidade ecológica ativa, onde cada indivíduo desenvolve a capacidade de interpretar o ambiente, tomar decisões informadas e agir em prol da conservação.

Mas como podemos operacionalizar esta mudança de paradigma? Como transformar a literacia de natureza em algo concreto dentro das práticas educativas?

A educação ambiental, conforme destacada na Estratégia Nacional de Educação Ambiental, deve ser integrada nos programas educativos, promovendo uma abordagem interdisciplinar e contínua ao longo da vida. A noção tridimensional do ambiente, envolvendo a natureza, a sociedade e a cultura, reforça a importância de um ensino que vá além da transmissão de conhecimento e que envolva a participação ativa na resolução dos problemas ambientais.
Uma visão europeia para a literacia da natureza

A nível europeu, esta mudança de paradigma encontra eco em diversas políticas e diretrizes. Por exemplo:

  • Na Estratégia Europeia para a Biodiversidade 2030;
  • Na Estratégia da União Europeia de Adaptação às Alterações Climáticas.

Ambas colocam a natureza no centro das soluções para os desafios do século XXI. Conceitos como Nature-Based Solutions (NBS) são fortemente promovidos pela Comissão Europeia como forma de integrar biodiversidade, adaptação climática e bem-estar humano.

As escolas têm um papel essencial neste movimento ao assumirem o papel de laboratórios vivos, onde os alunos aprendem fazendo – plantando, cuidando, monitorizando e interpretando o meio que os rodeia.

A literacia de natureza encontra-se também alinhada com as orientações da UNESCO para a Educação para o Desenvolvimento Sustentável (2020), que reforça a importância da abordagem transversal, interdisciplinar e ao longo da vida, e reconhece o papel fundamental da dimensão experiencial no processo educativo.

Uma educação transformadora

Este novo paradigma é, portanto, um convite para repensarmos a forma como interagimos com a natureza: uma proposta ousada, “fora da caixa”, que nos impulsiona a sair do nosso papel de passivo observador e a viver a realidade que nos rodeia.

É a promessa de uma educação transformadora, capaz de despertar, em cada um de nós, a consciência de que somos, acima de tudo, leitores e escritores da grande história da vida na Terra.

Ao abraçarmos a literacia de natureza, reconhecemos que não basta conhecer a natureza — é preciso senti-la, interpretá-la e com ela dialogar.

Esta transição convida-nos a educar com os pés na terra, os olhos no horizonte e o coração aberto à interdependência que nos une a todas as formas de vida.

O desafio? Tornar esta visão real

O desafio está agora em tornar esta visão prática, sistemática e acessível.

Cabe às escolas, aos educadores e às comunidades educativas criar ambientes onde a natureza deixe de ser apenas tema e se torne presença viva nos percursos de aprendizagem. Precisamos de:

  • Políticas educativas que integrem a natureza como aliada pedagógica;
  • Currículos que valorizem as vivências concretas e a sensibilidade ao mundo natural;
  • Educadores capazes de implementar este novo paradigma com criatividade e compromisso.

A literacia de natureza não é um ideal utópico, mas uma resposta educativa concreta aos desafios do presente.

É também uma promessa: a de uma educação mais humana, mais sensível e mais alinhada com os ritmos do mundo vivo. Uma educação que, em vez de apenas formar cidadãos informados, cultiva guardiões conscientes, responsáveis e apaixonados pelo planeta.

Haja vontade de a pôr em prática!

* Bióloga. Diretora do Centro de Formação da SPECO – Sociedade Portuguesa de Ecologia e docente no Agrupamento de Escolas de Ermesinde. Artigo publicado originalmente no site Florestas.pt.

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