A descida das propinas é uma vitória para o movimento estudantil

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Universidade de Aveiro.

Apesar de o valor das propinas ser um dos principais entraves ao acesso ao ensino superior, ele não é de longe o único.

João Moniz *

A descida do valor da propina máxima em 212€ (cerca de 20%), abriu um debate alargado sobre a condição dos e das estudantes do ensino superior, o que mostra que se trata de uma medida com amplo apoio popular. Saúdo que esse debate esteja, finalmente, a ser feito.

Enquanto estudante, da parte que me toca, a opção é clara: a luta pelo acesso universal ao ensino superior é justíssima e está consagrada na constituição. Esta foi a primeira descida na história das propinas, em Portugal, representa uma vitória para o movimento estudantil e aponta o caminho para o seu fim. Que se faça esse caminho.

A descida surge num contexto de desinvestimento crónico e estrutural no ensino superior. Fruto das políticas de austeridade, Portugal é dos países da OCDE que menos investe no ensino superior, mas, ao contrário do que a direita argumenta, esta redução da propina não vai reduzir o orçamento das instituições. A redução garante que, por cada euro a menos de propina paga pelos e pelas estudantes, o estado garante um euro a mais para as instituições. O que esta redução vem atacar é o conceito de utilizador-pagador, em favor de uma conceção universalista do estado social. Mais, a descida garante maior previsibilidade financeira às instituições. Todos os que defendem um ensino superior universalista devem saudar este corte.

Um argumento utilizado pelo colega é que a diminuição do valor da propina máxima irá implicar uma redução da atribuição de bolsas de ação social. O argumento tem o problema de não ser verdadeiro. Não só as instituições vão ser acauteladas com um reforço nas transferências do orçamento de estado, como também não se prejudicará nenhum bolseiro – as propinas descem, mas as bolsas mantêm-se.

Reconheço que, apesar de o valor das propinas ser um dos principais entraves ao acesso ao ensino superior, ele não é de longe o único. A crise social que se vive no setor da habitação é particularmente sensível aos estudantes deslocados. Como aluno de doutoramento na universidade de Aveiro, conheço inúmeros casos de colegas que são obrigados a pagar preços totalmente incomportáveis por um quarto nesta cidade.

Concordo com o colega – é preciso mais investimento em residências universitárias. Os números oficiais dão o pano de fundo: dos 360 mil estudantes do ensino superior, cerca de 120 mil são deslocados e desses, apenas 13% têm lugar nas residências de estudantes. Ou seja, 9 em cada 10 estudantes deslocados estão à mercê do mercado da habitação. Aveiro não escapa à realidade nacional.

A crise na habitação é fruto das políticas da direita (tanto a nível nacional como local), mais concretamente da Lei Cristas de 2013, que liberalizou o mercado de arrendamento, aumentando os preços exponencialmente, bem como os despejos. É uma posição que também tem eco em Aveiro. A mesma direita que sistematicamente votou contra o aumento do universo de beneficiários de bolsas e que retirou a possibilidade de inscrever a construção de mais residências nos fundos comunitários. Na política é preciso ser coerente – bem sabemos que a direita não joga nesse campo.

A esta crise responde-se com políticas de esquerda: com construção de mais parque social de habitação; com controlo do valor das rendas; com a majoração do IMI, para os proprietários que mantêm as habitações desabitadas e/ou devolutas; etc.

A solução para os problemas dos e das estudantes passa, inevitavelmente, por mais investimento na provisão pública de residências estudantis e por um reforço ao financiamento das instituições de ensino superior; passa necessariamente pela total abolição das propinas.

Os e as estudantes precisam de dirigentes associativos que, na hora em que se consegue uma vitória, não se coloquem contra a mesma – na verdade, devem ir mais longe e exigir a abolição das propinas. Se a vontade do colega Xavier é genuína, acompanhará certamente as posições e propostas que o Bloco tem vindo a apresentar.

É preciso deixar os preconceitos ideológicos para trás: o mercado não é a solução. A solução é uma política de estado social pleno, universalista e solidário.

* Bolseiro de Doutoramento, membro do Bloco de Esquerda de Aveiro.

[Este artigo de opinião é uma resposta ao texto do Xavier Vieira,
Ex Presidente da Direção da Associação Académica da Universidade de Aveiro, publicado no site Comunidade Cultura e Arte, a 8 de dezembro – https://www.comunidadeculturaearte.com/academia-sem-lugar/]

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