Uma reflexão sobre as florestas plantadas

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Muito se tem dito e escrito sobre os efeitos na biodiversidade e outros serviços dos ecossistemas das florestas plantadas, quer constituídas por espécies autóctones, quer por exóticas introduzidas. O tema é particularmente pertinente em Portugal, onde se tem gradualmente transitado, desde meados do século XX, de uma floresta perpetuada por regeneração natural através de sementes (pinhais de pinheiro-bravo, montados de sobro e azinho), para a florestação através de plantação (tanto de eucaliptais, como de pinhais de espécies autóctones e introduzidas e, mais recentemente, de montados).

Por António Fabião *

Muita da polémica sobre as florestas plantadas prende-se com alegados efeitos ambientais da plantação e/ou da expansão das espécies propagadas desta forma.

Na convicção popular é a natureza da espécie plantada que mais frequentemente se aponta como responsável pelos inconvenientes. Porém, os resultados de investigação existentes e publicados apontam noutro sentido: independentemente das espécies envolvidas, os eventuais efeitos ambientais resultantes das florestas plantadas prendem-se mais com as técnicas de instalação, condução e exploração dos povoamentos do que com a natureza da espécie ou espécies usadas.

Com efeito, a plantação é geralmente precedida da eliminação da vegetação espontânea pré-existente, competidora das plantas a instalar, seguindo-se uma mobilização generalizada do solo para favorecer o desenvolvimento precoce das árvores. As ações intensivas deste tipo podem ter efeitos significativos nas características do solo e das comunidades vegetais que virão a desenvolver-se sob o coberto arbóreo, dependendo das condições ambientais locais (clima e tipo de solo) e da intensidade da perturbação da vegetação e do solo. Estes efeitos podem (e devem) ser controlados através das técnicas de instalação, mas não é de surpreender que haja consequências adversas na diversidade da vegetação após uma eliminação geral e drástica do coberto existente.

Quando tecnicamente possível e adequado, pode optar-se por uma preparação do local mais localizada, por exemplo atuando apenas nas linhas de plantação e conservando intocadas as faixas intercalares. A presença de vegetação natural nas fases precoces de desenvolvimento da plantação, vencida a competição pela luz, água e nutrientes, pode contribuir significativamente para a acumulação de folhada e para a disponibilidade sazonal de nutrientes, como tem sido documentado em vários tipos de plantações florestais, inclusivamente em Portugal. A minimização da área de solo disturbada e a adoção de técnicas adequadas à conservação do solo e da água (por exemplo, a armação da superfície do solo quando pertinente) tendem a mitigar eventuais efeitos negativos da instalação nas características do solo e da vegetação sob o coberto.

Importa também referir que, em muitas situações, a vegetação pré-existente acima referida corresponde a fases muito degradadas da vegetação natural potencial, eventualmente na sequência de longos períodos de práticas agrícolas que não acautelaram a conservação do solo e dos serviços do ecossistema. Embora não se possam generalizar juízos de valor quanto ao uso destes solos para florestação, pode ser questionável (caso a caso) se os serviços por eles prestados, em particular a biodiversidade que suportam, justificam a conservação num estado economicamente improdutivo.

Florestas plantadas bem conduzidas: diversificar e reduzir a pressão

O uso de espécies introduzidas encontra justificação na diversificação da oferta de produtos florestais e no acréscimo da produção de material lenhoso, face à pressão da procura crescente. A Europa tem uma riqueza em espécies arbóreas notoriamente baixa em comparação com regiões temperadas de outros continentes, devido ao efeito conjugado das glaciações do Quaternário e da orientação dominante do relevo, o que levou desde cedo na sua história à procura de alternativas não autóctones.

Quando instaladas e conduzidas de forma técnica e ambientalmente adequada, as plantações florestais com espécies exóticas não invasoras podem até contribuir para reduzir a pressão sobre florestas autóctones ainda existentes, com regeneração natural e ambientalmente valiosas.

Algumas espécies exóticas podem, contudo, tornar-se invasoras, quer devido a uma propagação natural agressiva, quer por deficiências na gestão dos povoamentos, conduzindo a uma expansão descontrolada, quer ainda pela conjugação destas duas causas, o que é provavelmente o mais frequente. Estes casos justificam, ao menos parcialmente, a convicção popular quanto aos inconvenientes do uso de espécies florestais exóticas na arborização. Deve, contudo, salientar-se que por vezes o carácter invasor só se manifestou após o abandono das plantações devido à perda da sua utilidade económica. Parece ser o que aconteceu com pelo menos algumas espécies de acácias introduzidas em Portugal e usadas no passado para extração de taninos para curtimenta e de lenha para fornos, as quais se tornaram, entretanto, economicamente supérfluas e invasoras preocupantes.

Esta invasibilidade deve ainda assim distinguir-se da tendência das espécies pioneiras – adaptadas a colonizar ambientes onde encontrem pouca competição – para se regenerarem naturalmente em condições favoráveis. Em rigor, deve sugerir-se que o conceito de espécie invasora se aplique aos casos em que ocorram prejuízos económicos, ambientais ou de qualquer outro tipo e o controlo da regeneração só seja exequível com um elevado investimento em trabalho e em recursos técnicos e financeiros.

Algumas espécies autóctones ou naturalizadas desde longa data podem ter também uma propagação agressiva para áreas abandonadas ou deficientemente geridas, sem que se justifique considerá-las invasoras: o choupo-branco, o freixo-de-folhas-estreitas, o carvalho-cerquinho e o pinheiro-bravo podem ter esse comportamento, sem que causem inconvenientes ambientais de grande monta ou sejam difíceis de controlar quando necessário.

Mais do que uma opção, uma necessidade

A sociedade atual não pode prescindir de uma produção florestal abundante e diversificada, fonte de matérias-primas industriais e motor do desenvolvimento económico e social. Para o conseguir terá de recorrer, em maior ou menor grau, a florestas plantadas, nalguns casos de espécies não autóctones.

A flexibilização e adequação das técnicas de instalação, condução e exploração dessas plantações pode e deve ser concebida de forma a garantir a manutenção de serviços valiosos dos seus ecossistemas, como a conservação do solo e da água, o sequestro de carbono e a conservação da biodiversidade, entre outros.

Seria também conveniente que a sociedade remunerasse esses serviços, mais ainda nos casos das florestas autóctones de regeneração natural, de importância geralmente reconhecida, mas muito raramente compensada. Enquanto assim for, a polémica em torno das florestas plantadas dificilmente chegará a quaisquer conclusões satisfatórias.

* Engenheiro Silvícola, doutorado em Ciências Florestais (1987). Participou na docência de unidades curriculares de silvicultura, dendrologia florestal, sistemas agroflorestais e gestão da fauna dos ecossistemas florestais. Desenvolveu atividades de investigação científica nos domínios da dinâmica da biomassa e da produtividade de povoamentos florestais, diversidade da vegetação sob coberto florestal e conservação e reabilitação de formações lenhosas ribeirinhas. Artigo publicado originalmente em Florestas.pt.

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