Um ano depois dos incêndios, o que mudou?

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Quercus Aveiro.
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São dramáticas as condições ecológicas e paisagísticas do nosso espaço florestal, sobretudo na zona interior e de montanha: primeiro, a exploração florestal praticamente sem ordenamento nem condicionamento, depois a explosão das espécies invasoras como o eucalipto e a acácia, finalmente os devastadores incêndios, sendo que os últimos dois fenómenos se vão entrelaçando numa espiral aniquiladora de qualquer vestígio de paisagem e biodiversidade.

Por outro lado, as intervenções nos terrenos tornam-se mais agressivas e acentuam os problemas existentes: mobilizações de solo de grande impacto, gestão tendente à manutenção de um solo “limpo” de vegetação, por mobilização frequente ou aplicação de herbicida que acentuam o carácter monocultural das plantações e aplicação de inseticidas nas pragas que se vão apresentando de forma crescente.

Embora as autarquias tenham a obrigação legal de elaborar e cumprir os planos municipais de defesa de florestas contra incêndios e os planos operacionais municipais, algumas continuam a negligenciar a sua aplicação e o cumprimento das ações definidas para a defesa da floresta.
Nesse sentido, o planeamento, ordenamento e gestão da floresta não podem continuar subordinados a regras desadequadas ou interesses obscuros, com a manifesta falta de empenho do Estado e o generalizado absentismo dos privados.

No atual contexto, os problemas só podem ser minimizados por meio de ações mais interventivas no terreno que envolvam quer as administrações, quer os cidadãos. Isto porque, tendo os danos causados sido já tão grandes, já não basta regular ou ordenar: é necessário intervir, executar no terreno ações de recuperação que, pela sua natureza e objetivos, já muito dificilmente podem ser realizadas por quem detém a propriedade da terra e tem dela objetivos de exploração.

A ausência de um cadastro rigoroso é um dos principais problemas estruturais que condiciona e estrangula a gestão e o ordenamento florestal. Torna-se urgente a elaboração de um cadastro florestal que sirva de base para o desenvolvimento de uma política florestal promotora do associativismo, o que permitiria redimensionar o espaço em unidades de gestão florestal sustentável em termos económicos e ambientais. Esta reestruturação fundiária e o associativismo deverão ser amplamente incentivados, nomeadamente com recurso a incentivos fiscais e através de penalizações de maus usos dos espaços florestais.

É necessário fazer aplicar os instrumentos de planeamento e gestão previstos, tendo em consideração a aposta na diversificação da floresta através de uma correta gestão da sucessão ecológica e da utilização de espécies de folhosas autóctones mais resistentes ao fogo como o carvalho e sobreiro, entre outras espécies folhosas.

Deve apostar-se na Silvicultura Preventiva criando e implementando modelos de gestão florestal sustentável adaptados às condições ecológicas locais, tendo em consideração o tipo de solos, os declives, o clima, o coberto vegetal, com toda a biodiversidade associada, os estatutos de conservação quando aplicáveis e a necessidade efetiva de reduzir a biomassa nas áreas mais sensíveis ao fogo.

As práticas de gestão florestal a adotar nestes modelos, deverão ser integradas no Código de Boas Práticas Florestais detalhado e com ampla divulgação junto dos proprietários e utilizadores da floresta. As atividades de Silvicultura Preventiva associadas à gestão florestal sustentável, como poderá ser o caso da gestão de matos em algumas áreas, sempre recorrendo às técnicas mais adequadas, devem ser apoiadas e incentivadas pelo Estado, nomeadamente através de um IVA mais baixo.

Após os incêndios assistiu-se à violação sistemática da legislação que regulamenta o ordenamento do território e as atividades no espaço florestal. Temos assistido à expansão desordenada das monoculturas de eucalipto, reconvertendo grandes áreas de pinhal e alguns sobreirais, devido sobretudo à falta de fiscalização das entidades oficiais. É, por isso, necessário realizar uma fiscalização efetiva relativamente a todas as regras de ordenamento e gestão, dando nesta fase pós incêndios, especial ênfase às áreas ardidas.

A vigilância da floresta reveste-se de grande importância pela sua função dissuasora e pela maior facilidade em detetar os fogos nascentes, permitindo aumentar a rapidez da primeira intervenção. Por ser uma medida que permite a obtenção de resultados positivos a curto prazo, a vigilância contra fogos florestais deve constituir uma prioridade imediata. Os mecanismos de combate aos incêndios florestais devem ser precedidos da prevenção e vigilância e estarem estreitamente associados a esta última.

No sentido de minimizar situações de erosão dos solos e de degradação da qualidade das águas devem ser adotadas medidas que, a curto prazo, consigam evitar consequências mais graves relativamente à erosão dos solos, à ocorrência de cheias e à degradação da qualidade da água, principalmente nas zonas de influência de captação de recursos hídricos destinados a abastecimento humano. Assim, deve-se interditar a mobilização de solos com a utilização de maquinaria pesada e a abertura de novos acessos em zonas de declive mais acentuado afetadas pelos incêndios, evitando assim um agravamento do processo erosivo.

É urgente mudar. Não se poderá continuar a desviar a atenção e esforço que são devidos à recuperação da floresta autóctone. É essencial apoiar e replicar iniciativas de recuperação ecológica como o Projeto Cabeço Santo, que teve início já em 2006, após o enorme incêndio que chegou até Águeda, e que se apresenta como um exemplo na criação de um mosaico de áreas de conservação numa zona intensamente utilizada para o cultivo florestal de espécies exóticas. Nos seus 150 hectares, este projeto único em Portugal, conseguiu evitar que as áreas ardidas fossem alvo da expansão de espécies infestantes.

Núcleo Regional de Aveiro da Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza

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