Resposta à Grenoeconomics da habitação

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Jorge Greno, deputado municipal do CDS-PP, decidiu dirigir-se à esquerda para fazer uma intervenção claríssima: a direita não tem solução para a crise do preço da habitação. Ah e também diagnosticou mal as causas do problema. Dois agradecimentos a Greno. Primeiro, por nos explicar que na habitação a oposição da direita é aos partidos da esquerda e não ao governo do PS. E, em segundo, por clarificar que a direita (e o PS) a não tem solução para o problema. Vamos por partes.

Por Nelson Peralta *

A Grenoeconomics repete o mantra da direita: o preço da habitação aumentou porque há menos oferta e mais procura. E exibe com toda a exuberância: “é uma questão básica de mercado que os senhores não percebem. Mas enfim, estudem. Se há mais oferta, o preço desce. Está estudado há centenas de anos”. Tamanha imodéstia merece resposta.

Aceitamos o repto, estudemos.

1 – Há menos casas?
Na última reunião da Assembleia Municipal, o autarca do CDS-PP citou os dados da construção (120 mil novos fogos habitacionais em 2002 para 7 a 19 mil por ano na última década) e a diminuição do número de pessoas por agregado familiar (e assim mais famílias). Mas não fez as contas: no país, de 2011 para 2021 construíram-se 111 mil novas casas e há 105 mil novas famílias, ou seja, o saldo de construção é positivo.
Mas é o próprio deputado municipal que explica que a sua teoria está errada. Começou a sua intervenção a referir Aveiro ter sido, a nível nacional, dos concelhos que mais aumentou o seu parque habitacional nos últimos 5 anos. Ora, aumentou a oferta de habitação e o preço desceu? Não. O preço em Aveiro cresceu menos que no país? Não. Bem pelo contrário. Basta consultar os dados do Instituto Nacional de Estatística: do final de 2019 para o início de 2023, o preço em Aveiro subiu 40% quando no país subiu 24%. Mas é irrelevante, é um fenómeno mundial.

2 – Por que é que o preço da habitação disparou?
A subida do preço da habitação é um fenómeno global, de todo o Ocidente e não é um fenómeno português. Por isso, a escassez – que existe nalgumas cidades portuguesas – não é a força motriz deste fenómeno e muito menos para a sua escala.
O que mudou foi a estrutura da economia capitalista no Ocidente. A saída da crise de 2008 teve duas respostas inéditas: juros baixíssimos ou mesmo negativos e “quantitative easing” (simplificando, é a política dos bancos centrais de injetar quantidades massivas de dinheiro na economia, sem paralelo na história da Humanidade. Em sentido figurado, ligaram a impressora).
A combinação destes dois fatores aumentou desmesuradamente os rendimentos do capital, criou super-ricos como nunca antes, permitiu a acumulação de capital sem precedentes e criou uma enorme desigualdade social. Neste contexto, os novos super-ricos (e fundos imobiliários gigantes) entraram em força no imobiliário. Precisavam de um ativo seguro e pouco volátil para “depositar” as suas novas fortunas. Um exemplo concreto, uma única pessoa – Amancio Ortega, dono da Zara – recebeu este ano 1,7 mil milhões de euros de dividendos e gastou imediatamente tudo a adquirir imobiliário.
O deputado municipal do CDP-PP referia-se à lei da oferta e procura. Mas de facto a realidade é mais completa. Na procura não conta o número de famílias a necessitar de casa, mas sim a capacidade financeira da procura que não representa necessariamente a necessidade social de habitar. Nessa capacidade financeira da procura o que conta é o mercado mundial de habitação criado nesta nova configuração do capitalismo no Ocidente. E lá está Amancio Ortega, os fundos e – até há pouco – o dinheiro barato para esses fundos. É também por isso que a nova construção em Portugal está quase toda dirigida ao segmento “premium” de preços, porque se dirige a investidores ou a quem está no topo da desigualdade social.

3 – Se o fenómeno é internacional, o governo português não tem responsabilidades?
O governo português do PS – e aí não se distingue da direita – ajudou a construir esse mundo do mercado globalizado de habitação para investimento. Aliás, foi mais longe que grande parte dos países: vistos gold, estatuto de não residentes, nómadas digitais, turistificação das habitações, etc. É por isso que neste momento (com a inversão da política de taxas de juro e com o fim do “quantitative easing”) o preço da habitação está já a baixar ligeiramente em vários países, mas em Portugal continua a subir.
Há também outro fator que torna Portugal extremamente vulnerável. É uma exceção na Europa. Praticamente não tem habitação de propriedade pública. Na Holanda 30% da habitação é pública, na Áustria são 25% (na sua capital, Viena, são 50%). Em Portugal são 2%.
Chegamos a esta situação pela escolha no passado por parte do PS, PSD e CDS da política de juros bonificados. Quem beneficiou dessa política na verdade não beneficiou, porque também ela aumentou os preços da habitação. O principal resultado foi transferir 7 mil milhões de euros do Estado para a banca. Imaginemos estes 7 mil milhões – a valores dos anos 80 e 90 – usados para construir habitação pública para arrendamento a custos controlados. Hoje a capacidade do Estado regular o mercado era completamente diferente.

4 – Não há solução, diz a direita
O deputado municipal explica que a única solução é construir mais. Mas, diz, isso não é possível porque não há trabalhadores disponíveis. Insiste: e mesmo quando existirem trabalhadores demorará vários anos a resolver o problema. Excelente intervenção, embora não intencional, a mostrar o valor do trabalho e que só o trabalho gera riqueza. Mas é um facto, a taxa de desemprego fora das camadas jovens é extremamente baixa.
Mas o que conta é a honestidade de Jorge Greno, perante um dos maiores problemas da atualidade, a direita não só assume que não tem solução como explica que acha que o Estado nem deve intervir, a não ser facilitar a vida dos privados.

5 – Afinal há solução
Felizmente há solução. Desde logo reduzir a taxa de juro e responsabilizar a banca que em Portugal está a lucrar 11 milhões de euros por dia. Também controlar o valor das rendas como 16 países da União Europeia já fazem. Proibir não residentes de comprar casa, já que essa se destina a investimento e não a ser habitada. E ainda garantir que as habitações sejam utilizadas para a sua função social de habitação e não para um mercado global de investimento, incluindo um conjunto vasto de medidas fiscais.
Jorge Greno cita a lei da oferta e procura como o elemento mais importante para a nossa vida. Até diz que o Bloco de Esquerda nem a conhece. Mas esqueceu-se de ler o resto do livro onde essa lei foi popularizada (A Riqueza das Nações, Adam Smith, 176). Excelente escolha. De facto, Adam Smith e os principais autores do liberalismo clássico representam a rutura e a defesa do sistema capitalista (então nos seus primórdios) contra a sociedade do feudalismo aristocrata (então dominante) cuja riqueza provinha de rendas fundiárias. Portanto, sem surpresa, criticaram fortemente as rendas, que classificaram de atividade económica diretamente improdutiva (ao contrário do trabalho e do capital).
Também a doutrina social da igreja – que o CDS-PP supostamente segue – é bastante clara ao dizer que “a tradição cristã nunca reconheceu o direito à propriedade privada como absoluto e intocável: «pelo contrário, sempre o entendeu no contexto mais vasto do direito comum de todos a utilizarem os bens da criação inteira: o direito à propriedade privada está subordinado ao direito ao uso comum, subordinado à destinação universal dos bens»”. Diz ainda que a propriedade é “não um fim, mas um meio” e que importa “reconhecer a função social de qualquer forma de posse privada”. É também clara na defesa da intervenção direta do Estado na economia nos casos em que o mercado não consegue obter os resultados de eficiência desejados e quando se trata de traduzir em ato o princípio redistributivo”.
Fiquemos então com a declaração original, da direita a admitir que não tem solução.

* Bloco de Esquerda.

A intervenção de Jorge Greno (a partir da hora 1:36:50): https://www.facebook.com/municipiodeaveiro/videos/2062596447415824?locale=pt_PT

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