
A crise habitacional em Portugal atingiu proporções que há muito deixaram de ser conjunturais. O défice estrutural de oferta, aliado a uma especulação persistente e a uma pressão demográfica concentrada nas áreas metropolitanas, criou um mercado profundamente disfuncional. Neste contexto, o pacote de medidas anunciado pelo Governo, apresentado como uma “política de choque” para abanar o mercado da construção e do arrendamento, representa uma tentativa de reequilibrar um sistema em colapso.
Por Diogo Fernandes Sousa *
De forma global, o conjunto de propostas merece uma apreciação positiva. A redução do IVA para 6% em obras de construção até 648 mil euros e para rendas até 2300 euros constitui um incentivo real à promoção de habitação a custos moderados, com impacto direto na oferta. Esta medida, embora possa parecer tecnicamente modesta, tem potencial para desbloquear projetos inviabilizados pelo peso fiscal que incide sobre o setor.
Outro ponto de mérito reside no agravamento do IMT para não residentes. Trata-se de uma resposta pragmática ao fenómeno de especulação internacional que, nos últimos anos, transformou o imobiliário português num ativo financeiro de luxo, distorcendo os preços face à realidade do país. No entanto, ao isentar os emigrantes, o Governo reconhece, com sensatez, a importância das comunidades portuguesas no investimento produtivo e no tecido social nacional.
Não obstante, esta política de choque não está isenta de críticas. Desde logo, o novo conceito de “renda moderada”, fixado em 2300 euros, levanta dúvidas quanto à sua adequação ao rendimento médio nacional. Afirmar que tal valor corresponde a uma renda acessível para famílias com rendimentos de 5.000 euros mensais é admitir, implicitamente, que as classes média e baixa, bem como os jovens trabalhadores continuam excluídos do mercado.
O aligeiramento dos processos de licenciamento é outro aspeto que exige vigilância. A redução de “controlo prévio” precisa de ser compensada por mecanismos de fiscalização posteriores, sob pena de se perpetuarem os erros de planeamento que marcaram décadas.
De sublinhar também o caráter experimental, e potencialmente útil, da aposta em alojamentos temporários para trabalhadores da construção. Esta medida, inspirada em soluções de mobilidade laboral já testadas noutros países europeus, poderá reduzir constrangimentos logísticos e acelerar o ritmo das obras, embora deva ser enquadrada em garantias dignas de habitabilidade e proteção laboral.
No cômputo geral, o Governo demonstra ter compreendido que o mercado da habitação não se corrige apenas pela lógica da oferta e da procura. A colaboração anunciada com a banca e a promessa de novos instrumentos financeiros são passos importantes na construção de um ecossistema de investimento sustentável. Todavia, a verdadeira prova de fogo residirá na concretização das medidas.
Em suma, este pacote de medidas está na direção certa. É uma política de choque, mas trata-se de um choque que chega tarde e que, para ser transformador, terá de ser acompanhado por uma estratégia que conjugue incentivos fiscais e uma política pública de habitação que não se limite a remediar o mercado.
* Instituto Politécnico Jean Piaget do Norte.
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