O vírus, o pós-Abril e a humanização das massas

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Rua dos Mercadores, Aveiro.
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Sejamos pacientes, apesar de humanamente ser impossível ficar tanto tempo em casa: saiamos de quando em vez, de forma individual e consciente.

Por Pedro Nuno Marques

“A solidariedade coletiva só funciona na tragédia”, afirmava, há uns anos, o Doutor Jorge Sampaio. E, de facto, assim o é. A turbulência das horas, dos dias e das semanas que enfrentamos, trouxe à tona um cariz de camaradagem jamais presenciado pelas gerações mais recentes, nas quais me incluo.

O manifesto espírito de inter-ajuda prolifera aqui e acolá, sendo essa reciprocidade o aspecto mais notório no seio desta megalómana circunstância contra-natura. De seguida, surge a diminuição considerável da poluição, a felicidade dos cisnes nos canais venezianos, a contenção nos excessos de um sábado à noite e a alegria contagiante do meu cão que se vê na rua mais duas ou três horas por dia.

O tempo de solidariedade que vivemos é, nas devidas diferenças proporcionais, semelhante ao espírito de camaradagem experimentado nas semanas seguintes ao 25 de Abril de 1974: automóveis que se cruzavam e buzinavam entre si, com o “V” de vitória (à Churchill) a evidenciar-se fora da janela das viaturas, gente que não se conhecia e que se saudava numa qualquer viela, a felicidade dos pais por contemplarem a liberdade salvaguardada dos filhos, gritos de espontaneidade em cada esquina, tributos diversos aos militares, na figura de Maia, no ar, nas paredes e nos periódicos até então repreendidos, etc.

A luta, agora, é outra. Mas a essência é a mesma. E apesar, ao contrário do que se “ronca” por aí, de uma guerra ser uma guerra, e uma pandemia ser uma pandemia, a magia da solidariedade, de camaradagem e de uma certa intimidade só terá de se manter, inspirada – e, obviamente, diferenciada – no gáudio pós-abrilino.

A vitória é certa. Sejamos pacientes, apesar de humanamente ser impossível ficar tanto tempo em casa: saiamos de quando em vez, de forma individual e consciente. Mas saiamos. É suicídio mental – e físico – ficar constantemente enclausurado em casa (até a Netflix já me dá vómitos).

Um especial xi-coração à malta dos lares do concelho de Aveiro, aos incansáveis profissionais do Sistema Nacional de Saúde e, se me permitem, mesmo nunca tendo, para meu desgosto, privado com eles, aos sempre aprimorados cisnes de Veneza, cidade que, erradamente, empresta a designação à nossa terra. Mas isso é história para quando o vírus se for embora.

Pedro Nuno Marques

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