Lixo e PAYT: O teste na Forca e a questão global

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Contentor de lixo no lugar da Forca, Aveiro.

Um dos grande avanços no país foi o investimento público na criação de uma rede de ecopontos e na substituição de lixeiras.

Nelson Peralta *

Parte da Urbanização da Forca está a testar o sistema PAYT (os habitantes pagam somente pela qualidade de resíduos que deitam no lixo indiferenciado). Como abrange apenas parte do bairro, mesmo ao lado há caixotes do lixo fora do teste (portanto gratuitos). O resultado é que esses ficam demasiadas vezes a abarrotar de lixo. Lógico, não? A tampa de um caixote do lixo do teste foi removida, tornando também aí a deposição de lixo gratuita.

Para além dos incómodos óbvios, as fotos mostram que o teste é um fracasso enquanto teste dado que não isola as variáveis em estudo. Nada que pareça inquietar a autarquia. Ainda assim interessa discutir a substância do modelo PAYT, para lá da falibilidade deste teste e de várias dificuldades técnicas impostas à população neste concreto.

À primeira vista todas as políticas pintadas de verde parecem bem. Mas muitas não sobrevivem a uma análise mais detalhada. O sistema PAYT é querer deixar ao mercado aquilo que as políticas públicas não fazem. É tentar mudar hábitos através de uma tarifa que penaliza as famílias de menores rendimentos, que são insignificantes para as de maiores rendimentos e que, acima de tudo, não afectam sequer os grandes produtores de resíduos.

No que respeita aos produtores, estes podem produzir iogurtes em plástico embrulhados em papel. Se compensa, nem que seja só do ponto de vista de marketing, então existe. Um litro de leite é igual a outro litro de leite, mas se colocarmos uma abertura fácil temos aí a marca distintiva. Portanto, sobreembalagem ou embalagens com materiais mistos – que são dispêndio de recursos e uma dor de cabeça para a reciclagem – são permitidas. Já recuperar o conceito de “tara recuperável” em que garrafas são reutilizadas não se pode (a proposta do Bloco de Esquerda recentemente chumbada no Parlamento), já que era incómodo para as empresas. O ambiente não é o critério. A bitola é o lucro.

No que respeita aos operadores de resíduos (recolha e em especial o tratamento), o sector foi privatizado e constituiu-se um monopólio. O resultado é que o aterro de Eirol chegará ao fim da sua vida útil em metade do tempo previsto. A empresa está a depositar em aterro o dobro do que contratualizou. Ou seja, estão a direcionar menos resíduos para valorização e reciclagem e simplesmente a mete-los em aterro. Para a empresa, do ponto de vista económico parece compensar.

Portanto, para as empresas produtoras e para as empresas de tratamento de resíduos é roda livre. Para os consumidores há, em geral, uma taxa de resíduos na fatura de água. Perante este mau sistema, dizem que a solução de futuro está no PAYT.

Há que aprender com os mecanismos do passado e até com o PAYT. Mas só temos um planeta. As questões ambientais são demasiado importante para deixar ao sabor do mercado. Muito menos se essa resposta é instituir uma tarifa aos consumidores e deixar os produtores e o sector dos resíduos operar à vontade dos seus interesses particulares.

Os serviços públicos quando nascem, devem nascer para todos. Deve ser essa a sua essência. Um dos grande avanços no país foi o investimento público na criação de uma rede de ecopontos e na substituição de lixeiras por centros de tratamento diferenciados. Foi uma decisão de como nos organizamos em sociedade. O chimpanzé Gervásio também ajudou. Chegados aqui, pensemos pois num sistema societal e não de mercado.

* Dirigente do Bloco de Esquerda, Aveiro.