Fidelidades Caninas e Traições Masculinas

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Raças caninas.
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No bar da “Bienal Canina”, tinha-se formado um grupo, cujo tema de conversa era, como não poderia deixar de ser, as proezas dos amigos peludos, das quais vou transcrever quatro.

Por Diamantino Dias *

Peneda – O Fiel Companheiro – A minha família paterna é natural do Minho, concelho de Melgaço, e, até há alguns anos, um dos seus rendimentos provinha-lhe do leite, do queijo, da lã e da venda de cordeiros e de ovelhas. Um dia, à tardinha, quando o rebanho regressava do pasto, foi atacado por uma alcateia. O pastor, que era um dos meus primos, e o cão, um Castro Laboreiro de nome Peneda, que eu conheci, tentaram deter os lobos. Mas, a certa altura, o Zé, quando corria, de varapau em punho, para socorrer um cordeiro que estava a ser abocanhado por um lobo, meteu o pé direito numa cova e torceu-o, de tal maneira, que só se podia deslocar com o cajado a servir de muleta, tendo de se encostar a um penedo, para se defender de dois lobos que, vendo-o inferiorizado, se atiraram a ele.
Então, o Peneda, sentindo o seu companheiro e amigo em perigo, abandonou o rebanho e veio em socorro do Zé, não o abandonando. A sorte deles foi que o ataque se deu já muito próximo da povoação e houve pessoas que andavam a trabalhar em propriedades vizinhas e se aperceberam do que se estava a passar, porque não só ouviram o cão a ladrar desalmadamente, mas também começaram a ver passar as ovelhas a correr tresmalhadas, sem o pastor. Dado o alarme, chegaram homens armados com o que tinham à mão — enxadas, machados, foices, cacetes, etc. –, e as feras puseram-se em fuga.
Os lobos só mataram um cordeiro, mas não o puderam levar, o Zé safou-se apenas com a entorse e um valente susto e o Peneda ficou incólume.

Kaiser II – O Guarda-Costas – Fui militar num regimento de caçadores paraquedistas e, como sempre tive cães e gostei muito deles, integrei uma equipa cinotécnica. Quando acabou o meu tempo de serviço, a primeira coisa que fiz foi comprar um pastor alemão que treinei como cão de guerra e cão polícia. E já vou no segundo, que provou, há poucos meses, a utilidade prática dos treinos a que o tenho sujeitado.
Tinha feito serão e cheguei a casa tarde, já passava da meia noite. Quando ia a meter o carro na garagem, apercebi-me que alguém, agachado atrás da viatura, me ia acompanhar. Ora eu sabia que o cão estava na casota, ao fundo da garagem e que estava treinado para de lá não sair, quando entrava um automóvel, para não correr o risco de ser inadvertidamente atropelado. Todavia, farejando um intruso, poderia atacá-lo e eu não sabia se o sujeito vinha armado. Assim, não acendi a luz, abri ligeiramente a janela e utilizei o apito ultrassónico, regulado de maneira que só poderia ser ouvido pelo Kaiser, transmitindo-lhe a ordem “Esconde-te”. Em seguida, estacionei, saí do carro, como se não me tivesse apercebido de nada.
Apareceu-me um fulano mascarado, de navalha de ponta e mola na mão, pedindo-me para lhe dar a carteira e o relógio; respondi-lhe que não usava relógio; então disse-me para lhe dar os anéis, a pulseira e a volta; disse-lhe, fingindo que estava cheio de medo, que também não tinha nada disso, mas que havia dinheiro em casa e que lho daria se me acompanhasse. Aceitou e, assim, pude colocá-lo de costas para o cão, a quem transmiti uma ordem em código, incompreensível para o assaltante, mas que o Kaiser entendeu como “Neutralizar atacante armado com faca na mão direita”. Subitamente, o ladrão foi surpreendido por uma massa dourada e negra que lhe caiu em cima, sentindo que um poderoso alicate, dotado de dentes aguçadíssimos, lhe esmagava o pulso direito, obrigando-o a deixar cair a navalha.
Chamei a PSP. Tratava-se de um jovem viciado na droga, conhecido da Polícia pela prática de pequenos furtos, mas que, pela primeira vez, tinha chegado à mão armada,

Hera – A Materna – Quando eu era menina, os meus pais tiveram uma “Golden Retriever” que gostava muito de crianças, mas nunca teve cachorros, porque teve de ser precocemente esterilizada.
A cadela, a não ser quando fazia muito frio ou estava mau tempo, gostava de passar a noite na grande fachada alpendrada da casa. Uma manhã, a minha mãe, quando abriu a porta, ficou surpreendida por a Fifi não ter vindo ao seu encontro. Chamou-a, ela não correspondeu; tornou a chamá-la, elevando o tom de voz e ouviu um ladrido, mas vindo de longe. Verificou, então, que a cadela se encontrava do outro lado da rua, a alguma distância de casa, junto a um “Eco Ponto”. Como o animal não obedecia aos chamamentos, a minha mãe foi ter com ela e, quando se começou a aproximar, pareceu-lhe que ela estava deitada agarrada a um cão; mas, quando chegou junto dela, constatou que se tratava de uma bebé.
Foi chamada a polícia e concluiu-se que seria uma recém nascida, abandonada pela mãe e que a cadela, tendo-a ouvido chorar, de noite, tentou confortá-la, protegendo-a e dando-lhe calor. Como o meu pai participava numa estação de rádio local, fez deste caso tema dum programa e a mãe, tendo-o ouvido, ficou de tal maneira comovida com a acção da cadela, que se apresentou às autoridades, confessando o seu acto tresloucado e manifestando um profundo e sincero arrependimento. Este caso mereceu cobertura na Imprensa local, onde a Fifi foi rebaptizada como Hera, deusa grega da maternidade, nome porque passou a ser conhecida, e tornou-se alvo da curiosidade pública, havendo pessoas que vinham passar diante da nossa casa, para tentar vê-la. Com medo que alguém a roubasse, os meus pais não lhe permitiram as noitadas no exterior, durante uns tempos
Depois de ter cumprido a pena a que foi condenada, a mãe da menina apareceu em nossa casa, para conhecer a cadela e, enquanto a Hera foi viva, mãe e filha vinham, frequentemente, visitar a sua amiga.

Queriduxa – A Fidelíssima (1) / A Denunciante (2) – A minha mulher tinha uma “Yorkshire Terrier”, a Queriduxa, e cravava-me para, nas minhas saídas de sábado à tarde, a levar para efectuar o seu passeio higiénico. Não o fazia de muito boa vontade, pois tratava-se de uma cadela formato porta-chaves e não de um animal tipo companheiro de homem, mas nunca me neguei a fazê-lo, para evitar problemas.
Numa tarde, em que saí mais tarde e enveredei por um percurso diferente do habitual, sentei-me numa esplanada e mandei vir uma fatia “vegan” e um chá de camomila. Curiosamente, no minuto seguinte, sentou-se na mesa junto da minha uma jovem que fez exactamente o mesmo pedido invulgar. A coincidência deu aso a um início de conversa que, para se tornar mais fácil, acabou por se travar na minha mesa, pagando eu a despesa. Quando nos levantámos, seguimos caminho juntos, falando sobre vários assuntos que foram resvalando para o tema sexual. A certa altura, disse-me: “Moro aqui, quer entrar.” — Perante a minha resposta afirmativa, continuou: ”Há um pequeno problema. O condomínio deliberou que não é permitida a entrada de animais.” — “Mas eu não posso mandar a cadela embora.” — “Isso resolve-se facilmente. Ela pode ficar nesta zona ajardinada, diante do prédio, que é murada e tem um pequeno portão.”
Assim foi feito. Tirei-lhe a trela, para evitar que alguém a levasse e subi ao 3.º andar ou, em linguagem metafórica e que me desculpem as senhoras presentes, ao 7.º Céu. Hora e meia depois, quando desci, acompanhado da Lininha, que quis vir despedir-se de mim, mal abri a porta, vi que a maldita cadela tinha desaparecido. “Estou desgraçado! Que explicação vou dar à minha mulher para lhe ter perdido o estupor da Queriduxa? Adeus, um último beijo.”
Quando me virei, vi que não necessitaria de explicar nada à minha mulher, pois ela vinha a atravessar a rua com a Queriduxa a puxar por uma trela diferente da que eu tinha na mão. Posso dizer que tinha sido apanhado com a boca na sevandija, isto para usar o qualificativo menos violento que a minha mulher utilizava quando se referia à Angelina.
O que é que se teria passado? Possivelmente, quando um inquilino entrou ou saiu, a cadela aproveitou, esgueirou-se e andou a vaguear, até ter ido parar a um sítio conhecido e, daí, orientou-se e foi para casa, onde uma vizinha, vendo-a sozinha, no átrio, a levou à minha mulher que ficou aflita com medo que me tivesse acontecido algum acidente; mas, depois, estranhou o facto de o animal estar sem trela. Entretanto, a cadela começou a puxá-la, com os dentes, pela dobra das calças e ela compreendeu que a sua Queriduxa a queria levar a qualquer lado. Meteu-lhe uma trela e a maldita cadela fez com que eu fosse apanhado em flagrante adultério, permitindo que a minha mulher pudesse humilhar-me, publica e frequentemente, dizendo:

”No que respeita à fidelidade, o meu marido está abaixo da minha cadela vários furos.”
O nosso casamento passou por uma fase difícil, mas acabámos por ultrapassá-la.

1) – Para as leitoras
2) – Para os leitores

* Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, Estudos Portugueses e Franceses, Técnico Superior Assessor Principal da Câmara de Aveiro – reformado (página do autor em Aveiro e Cultura)

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