Desenvolver o currículo do 1º ciclo do ensino básico na natureza

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Pateira de Frossos, Albergaria-A-Velha.

O contacto da criança com a natureza tem vindo a ser desvalorizado durante várias décadas e só recentemente esta tendência começa a ser contrariada. Vários estudos têm vindo a ser desenvolvidos nesta área e evidenciam que a natureza pode potenciar o desenvolvimento de aprendizagens curriculares e de comportamentos de responsabilidade ambiental.

Por Marlene da Rocha Migueis *

No nosso país, o sistema educativo ainda privilegia o trabalho em espaços interiores e ambientes educativos estruturados pelo adulto. As evidências dos benefícios do contacto regular da criança com a natureza motivaram países, como a Noruega e Dinamarca, a adotarem medidas de introdução deste contacto de forma regular nos seus sistemas educativos.

As abordagens de educação na natureza são hoje entendidas como potenciadoras do desenvolvimento da aprendizagem de conceitos curriculares e têm apresentado um impacto positivo quer na atividade física das crianças, quer no desenvolvimento da linguagem, das relações sociais e do bem-estar, mas também no desenvolvimento de competências socioemocionais e na atitude destas em relação à escola.

Tratam-se de práticas educativas que colocam a ênfase no espaço exterior enquanto espaço de aprendizagem, na criança como figura central do seu processo de aprendizagem e na aprendizagem experiencial enquanto essencial ao desenvolvimento dos alunos. Estas abordagens preconizam a exploração da natureza com intencionalidade educativa, de modo a potenciar o desenvolvimento de aprendizagens curriculares específicas (como a matemática, a língua materna, a ciência …), privilegiando o tempo de brincar e a livre exploração e favorecendo a relação entre alunos e professores, o que otimiza os processos de aprendizagem.

Além disso, os estudos têm apontado para o contacto com a natureza como a melhor e mais duradoura forma de desenvolver empatia com a natureza e, portanto, o sentimento de necessidade da sua preservação e da responsabilização do indivíduo por ela. A crescente preocupação com os problemas ambientais torna clara a necessidade da urgente promoção da educação ambiental.

Também as mudanças do paradigma educativo a que começamos a assistir em Portugal convidam à dinamização de programas e práticas de ensino que coloquem a criança como planificadora da sua ação e como agente do seu processo de ensino e aprendizagem. É exemplo desse movimento a implementação em Portugal do projeto de autonomia e flexibilidade curricular (despacho nº 5908/2017 de 5 de julho de 2017).

Importa agora, à luz deste movimento do sistema educativo, encarar a natureza como um espaço de desenvolvimento de aprendizagens de forma transdisciplinar e enquanto oportunidade para o desenvolvimento do currículo. É fundamental sair das salas de aula e olhar para os contextos exteriores e próximos à escola (muitas vezes ricos em oportunidades de ação para o aluno) como espaços potenciadores do desenvolvimento do currículo, em articulação com o espaço sala. Isso exige um novo olhar para os contextos educativos.

* Investigadora do Centro de Investigação em Didática e Tecnologia na Formação de Formadores (CIDTFF) da Universidade de Aveiro. Artigo publicado originalmente no site UA.pt.

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