Derrotando o Rossio, derrotamos o resto

2575
Concurso de ideias para requalificação do Rossio, Aveiro.

Não é preciso escavar muito fundo para encontrar casos onde a mobilização popular militante resultou em ganhos para a população e derrotas para o executivo em Aveiro.

Por João Moniz *

O executivo municipal, insatisfeito com a entrega, aos privados, de serviços essenciais, como os transportes coletivos, prepara agora um ataque brutal ao espaço público, em Aveiro. Considero que é urgente travar esses planos e, para isso, precisamos de um movimento popular, fortemente mobilizado em torno desse objetivo. Embora este ataque ao espaço público ultrapasse a questão específica do rossio, esta assumiu a dianteira na discussão pública, devido à sua carga emocional e identitária. Derrotando o rossio, derrotamos o resto.

A política é feita de escolhas. A escolha do edil, e reiterada numa entrevista recente à Litoral Magazine, baseia-se numa conceção da cidade como espaço de extração de mais-valia: só é útil aquilo que é passível de ser rentabilizado dentro da lógica capitalista; Ribau Esteves assume-se como grande facilitador de negócios. Por este prisma as opções políticas tomadas por este executivo ficam claras: a concessão dos transportes; a alienação de terrenos camarários para construção de mais uma grande superfície comercial; o alargamento da EN109 para servir o interesse privado dos hipermercados; a construção de um novo – e totalmente desnecessário – parque de estacionamento e a sua entrega a um concessionário por 50 anos; e a transformação do jardim do rossio em “praça urbana”.

O conceito necessário para a cidade e para o município é a de um amplo espaço de usufruto e de serviços públicos universais – contrariando a lógica da rentabilidade. Defendo um município onde seja possível habitar e viver sem a pressão da especulação imobiliária e sem os efeitos de uma política que favorece o comércio de grande superfície, em prejuízo do comércio local. Defendo um município sem a pressão de escolhas urbanísticas que favorecem o automóvel individual, em detrimento do transporte coletivo e de outras formas suaves de mobilidade. Estas escolhas não são apenas preferências pessoais: elas trazem reais benefícios à generalidade da população. Em suma, Aveiro não pode ser uma cidade para ricos, onde as e os trabalhadoras e trabalhadores são condenados a viver na periferia.

As nuances da economia política das escolhas urbanísticas de Ribau Esteves, já foram discutidos no Noticias de Aveiro, em intervenções anteriores. Como já referi, estas escolhas não são neutras. Têm efeitos concretos, sentidos na pele pela população e especificamente pelas camadas mais vulneráveis da sociedade.

Esta intervenção é sobre o que podemos fazer para travar o este plano. Naturalmente, a questão que se levanta neste momento é como o podemos travar.

A meu ver atual maioria não reflete a disposição dos aveirenses sobre o plano traçado para o rossio nem para o parque de estacionamento subterrâneo. Ribau Esteves, candidato, escondeu deliberadamente este tema da agenda política durante as eleições de 2017, provavelmente por saber que se tratava de uma decisão extremamente impopular, a qual o faria pagar um custo eleitoral pesado. O plano para o rossio foi uma decisão tomada de costas voltadas para a população.

Neste sentido, a mobilização popular nas ruas torna-se indispensável. Não é preciso escavar muito fundo para encontrar casos onde a mobilização popular militante resultou em ganhos para a população e derrotas para o executivo em Aveiro. Foi a pressão popular que obrigou Ribau Esteves a renegociar o contrato de concessão com a Transdev, com vista ao reforço do serviço de transportes. A força da população mobilizada de S. Jacinto travou uma luta bem-sucedida contra a Transdev, que se preparava para liquidar os passes de residentes. Mais recentemente, um protesto bastante expressivo de ativistas pelo bem-estar animal forçou o edil a tomar medidas, que embora limitadas, constituem uma derrota para o executivo que, durante anos, se recusou a tratar desta matéria. A mobilização popular dá frutos.

As expressões concretas da mobilização popular são diversas e plurais, umas menos institucionalizadas do que outras. Desde os protestos em forma de vigília ou de marcha, à ocupação do espaço público; as tecnologias de comunicação online que, caso sejam usadas de forma inteligente e criativa, também proporcionam novas formas de luta, ao facilitar a comunicação entre ativista e a divulgação de iniciativas; a expressão artística politicamente engajada, que não pode ser esquecida. A chave está na articulação entre as várias formas, consoante o momento concreto.

Julgo que no caso especifico exigido em Aveiro, a primazia do protesto e mobilização deve estar na rua. Assim se derrotamos rossio e o parque de estacionamento subterrâneo.

O protesto em forma de picnic é demonstrativo de que os aveirenses estão mais que disponíveis para liquidar o projeto de construção do estacionamento subterrâneo e de destruição dos jardins do rossio.

Considero que só será possível travar o anacrónico projeto de construção de um parque de estacionamento subterrâneo e fazer a defesa da manutenção do Rossio, como uma zona verde e de lazer, com um movimento popular, independente, militante e fortemente mobilizado, em torno deste objetivo concreto.

* Bolseiro de Doutoramento, membro do Bloco de Esquerda de Aveiro.