Casal e crianças (imagem gráfica genérica).

Quando caminhamos, pelas ruas, dominados pelos nossos sentimentos e problemas, normalmente com a cabeça baixa, nem nos damos conta dos dramas de muitos com quem nos cruzamos, mas, se mais libertos do nosso “egocentrismo”, poderemos olhar no rosto dos transeuntes com quem nos cruzamos e tentarmos “ler” o que lhe vai na alma, que pode ser de felicidade ou tristeza, de angústias ou reflexo dos problemas que as afligem. Por Serafim Marques *

Por mim, e porque me apaixonei pela Psicossociologia, essa parente pobre das ciências (sociais,), essa perceção das emoções e sentimentos, dizia eu, é feita sem qualquer sentido de “voyeurismo”, mas apenas porque gosto de observar as pessoas e tentar ler o seu “estado de alma “que, mesmo pela observação atenta, não é assim tão difícil de se conseguir. Não destaco, no meu interesse de observação, qualquer faixa etária em especial, porque cada uma tem o seu interesse psicossociológico de observação. Da pureza e ingenuidade das crianças, do desabrochar dos adolescentes, dos jovens e adultos, até aos idosos, são todos do meu interesse de observação. Mas nem tudo são rosas, porque a “ruindade” é, muitas vezes, detetada à vista desarmada, isto é, pela simples observação, ou então cruzarmo-nos com um deficiente e, neste caso é como se a nossa alma fosse trespassada por um punhal que nos provoca uma enorme dor.

Queixamo-nos das nossas patologias, mas esse sentimento pode ser “atenuado”, se olharmos em redor e darmos graças a Deus, ao Deus de cada um e eu tenho o meu, por termos sido bafejados pela sorte de, pelos menos, não termos enfermidades graves, embora possamos esconder os nossos sofrimentos. Tocam-me, bem fundo do coração e na alma, muitos dos casos dramáticos que observamos ou nos são mostrados pelos “medias” e deixam-nos confusos e ousamos perguntar a Deus, porquê, ainda mais quando as vítimas são crianças!

Há tempos, num certo “Dia Mundial da Criança” (dia 1 de junho), celebração que propícia o desabrochar de sentimentos de maternidade e paternidade, (da “avosidade” também), mas, infelizmente, em declínio muito acentuado no nosso país, e, como consequência, termos uma das mais baixas natalidade do mundo, porque outros valores cativam mais os jovens adultos em idade de procriação, passava eu, dizia, junto a um parque e não pude ficar indiferente ao que ia ouvindo, essa caraterística pessoal que não me deixa indiferente ao que observo, ao mesmo tempo que me aproximava duma jovem mulher que, ao telemóvel, falava alto para alguém que estaria do outro “lado da linha”. Já mais próximo, foi-me possível ouvir algumas das palavras que ela proferia e também verificar que ela tinha no seu colo, dentro do “canguru”, uma criança de poucos meses que, dormia como um anjo, indiferente ao que a mãe dizia.

Deu para ouvir que ela protestava contra o pai do seu filho, dizendo; “esqueceste-te que tens um filho e há dias que não apareces para o ver, nem neste fim de semana te dignaste fazê-lo”. Conjuntamente com a “cena” que observei e as palavras ouvidas, ainda me comoveram mais e não pude ficar indiferente, mas também nada podia fazer, senão reprimir o impulso de confortar aquela mãe, que poderia ser minha filha, e abraçar, no meu colo, aquela criança, porque não há nada mais gratificante do que sentir o corpo frágil duma criança bem colocada ao nosso peito, de modo que “penetre” a nossa alma.

Tive e tenho a felicidade de o ter feito, enquanto bebés, e continuar a fazer com os meus netos, tal como o fiz com os meus filhos. Fiquei a pensar se aquela não seria uma mãe solteira ou uma daquelas mães em autogestação, mas essas não protestam pela falta do pai, porque, muitas vezes, o “pai biológico” serviu apenas para a fecundar, mesmo sem o ato sexual. Estas mulheres (também alguns homens) recorrem a uma doação, quase sempre anónima, para satisfazerem o seu desejo maternidade, talvez num gesto egoísta. A matutar ainda naquela situação, cruzei-me com uma vizinha, mãe e com o seu filho, um menino com pouco mais dum ano, fruto do amor de duas mulheres, cuja mãe, que conheço há anos, decidiu casar-se, oficialmente, com a companheira e engravidar, como qualquer mulher que sente o desejo da maternidade. Pelo que vou observando, e por vezes em diálogos próprios dos encontros à porta ou no elevador, parece-me ser uma mãe extremosa para com o seu filho.

Mas mais do que a curiosidade de saber como foi o filho gerado e de viver com duas “mães”, dou comigo a pensar como será o crescimento do Pedro e do seu futuro, quando souber que não tem pai nem nunca o teve, não porque ele o tenha abandonado ou ter sido vítima duma fatalidade, mas porque é fruto do amor de duas mulheres, embora uma delas o tenha trazido no seu ventre. A gestação, a adoção e a criação duma criança por um “casal” do mesmo sexo, é um tema ainda “estranho” a certas mentalidades, da sociedade portuguesa, mas vale a pena pensarmos no que é (será) melhor para as crianças institucionalizadas, isto é, crianças internadas nas instituições, muitas delas desde o nascimento até atingirem a maioridade e que ali foram parar por razões já de si “desumanas”. Fazerem um percurso de vida triste, sem afetos e amor e, muitas vezes, vítimas de violência dos cuidadores, é preferível serem criadas, com amor, educação e cuidados, por duas “mães” ou por dois “pais”? Eu defendo a segunda hipótese. E o que dizer do “horror” da pedofilia e da violação de muitas crianças, mas cuja sociedade, todos nós, vai assobiando para o lado, sem que se “ataque” este drama que nos deveria envergonhar a todos, mas que estamos mais preocupados com a “proteção” dos direitos dos violadores, muitos deles da própria família muito próxima, do que com as vítimas indefesas?

Estes dois exemplos, que aqui relato, são, talvez, o espelho de que a família tradicional está em profunda crise e, como sentimentos alternativos, se promovem e efetuam muitos “dias de…” (do pai, da mãe, disto e daquilo), e festas e diversões, etc, numa manifestação de consumismo e hedonismo, apesar dalguns gestos e sentimentos puros e genuínos. Paradoxos, mas é inquestionável que um pai, tal como a mãe, substituído por avós ou em complemento, faz falta na educação e na formação humana de qualquer criança e jovem, mas que a falência do modelo familiar tradicional poderá causar danos futuros ou já no presente. Há uma baixa acentuada propensão para a natalidade e maternidade (agora com uma inversão estatística pelas crianças dos filhos dos imigrantes, embora essa imigração seja ainda, predominantemente, masculina) e que as roturas conjugais, também com números elevados, contribuem para uma vida diferente das crianças e jovens.

Ademais, a sociedade ainda não se questionou de que a educação e a formação, desde o infantário, escola primária e o ensino secundário é, maioritariamente, feita no feminino. Quais as consequências, nos formandos sem pai (presente ou um avô que seja a referência masculina) que “compense” esta realidade? Estudos e factos têm revelado pesadas heranças e vítimas, piores do que nos casos de orfandade, porque, nestas situações, a falta do pai não é imputável a outrem, mas a um “Deus” ou algo semelhante. “Meu filho, meu tesouro” ou “Um cão, o meu brinquedo com vida”? Duas opções que se colocam aos jovens adultos em idade de procriarem.

* Economista (reformado).

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