Covid-19: Ria de Aveiro: Pesca artesanal perde rendimento, mariscadores praticamente parados

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Apanha de bivalves na Torreira (foto de AH Cravo).
Comercio 780

A situação pandémica em Espanha, o maior consumidor dos bivalves criados em Portugal, deixou os mariscadores da Ria de Aveiro sem grande parte do trabalho que tinham e as perspetivas de retomar a atividade não têm prazo.

Num cenário agravado pela baixa do preço do peixe colocado na primeira venda em lota, a associação que representa a pequena pesca diz que é hora do Governo dar a ajuda que prometeu para subsistência.

Sobreviver era já uma palavra muito usada por quem enfrenta todos os dias a escassez de recursos, com as consequentes limitações de pesca, e a precaridade laboral, mas nunca fez tanto sentido como agora.

Arriscam-se coimas a vender peixe – nesta altura “é a época do choco” – em voltas discretas ‘porta a porta’, a chamada ‘fuga à lota’, para recuperar algum rendimento, pouco que seja.

“Algum vai para a arca, fica congelado, outro vende-se pelas portas, não podemos ir de propósito à Docapesca em Aveiro gastar em gasolina o pouco lucro”, contou um pescador que tem a família também no ‘marisco’, pedindo anonimato.

O berbigão, que era quase todo exportado para o país vizinho, praticamente deixou de ser apanhado na Ria de Aveiro. “Nesta altura, os compradores não conseguem passar para Espanha. Estamos completamente parados”, acrescentou.

Este relato da aflição que se vive na praia da Torreira, concelho da Murtosa, é comum a outras localidades piscatórias abaladas já pela falta de clientes de proximidade, como restaurantes ou as vendas a retalho nos mercados.

João Lopes, que preside à Associação da Pesca Artesanal da Região de Aveiro, pede urgentemente a ajuda “prometida pelo Governo” para um sector composto por pessoas que em grande medida trabalham ‘por conta própria’.

“Pediram-nos por favor para não pararmos, esperarmos que iam apoiar, mas apoios, para já, zero. O que nos disseram foi usar o rendimento mínimo para quem voluntariamente suspendesse a atividade um mês ou dois, mas não saiu nada disso. As nossas gentes precisam do dinheiro é agora, não daqui a uns meses, como acontece com os subsídios de defeso ou de proibição por toxinas”, referiu o pescador e dirigente associativo.

Existem quase 400 embarcações dedicadas à pesca tradicional na região de Aveiro e muitos outros pescadores profissionais (cerca de mil registos na Capitania) que ficaram nos últimos meses sem uma grande fatia dos rendimentos. Centenas de famílias dependem da pesca tradicional, entre a Torreira e as freguesias ribeirinhas de Ílhavo.

A APARA é uma Organização de Produtores que representa 95 por cento da atividade de pesca do Porto de Aveiro. Movimenta mais de três mil toneladas de bivalves capturados nas águas da Ria de Aveiro, representando um valor aproximado, no destino final, dos oito milhões de euros.

Discurso direto

“O risco em relação ao vírus é mínimo, trabalhamos um ou dois nas embarcações, neste caso muitas vezes é um familiar direto. O problema não é por aí. O maior risco é na lota, a entregar o pescado, mas temos tido cuidados, de distanciamento entre nós”.

“Não há lay off para o pessoal da Ria. São trabalhadores por conta própria, não se podem dar a esses luxos. Queremos é continuar a trabalhar”.

“Os mariscadores aí está mais complicado do que quem utiliza as redes. O mercado de Espanha está fechado. Para consumir em Portugal é impensável nesta altura. Aí tem de funcionar um apoio, se o Estado quiser ajudar é bem vindo. Há muitas famílias que estão sem fazer um cêntimo e não é por falta de marisco. Não há a quem vender”.

“Os preços do pescado estão bastante baixos, está tudo parado. As grandes superfícies, os seus intermediários, não têm interesse por grande parte do peixe. Dão cêntimos pelo que levam. Vamos ver nos hiper’s e os preços continuam como estavam antes da pandemia” – João Lopes, presidente da APARA.

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