Aveiro e a democracia: Um dia triste

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Antiga Capitania, Assembleia Municipal de Aveiro.

O que se passou na quarta-feira, 27 de janeiro, com a realização da Assembleia Municipal de Aveiro, é um bom exemplo do tipo de democracia que se pratica em Aveiro.

Por Rui Soares Carneiro *

Democracia de nome, porque na prática, todos sabemos que ela é inexistente e travestida de uma boa maquilhagem (propaganda) que esconde o vazio e a ausência do pluralismo de ideias, de discussão e crítica e de divergência democrática. Mas também, e não menos importante, do desrespeito total pelas pessoas, pelos cidadãos, pelo mais básico direito de acesso à informação, e da liberdade de participação nos órgãos públicos locais.

Hoje, vivendo em plena pandemia e estando todos nós confinados às nossas casas (e pouco mais), estão os órgãos autárquicos, apoiados pela lei (já o acontecia antes), a realizar as suas reuniões públicas através dos mais elementares meios de transmissão audiovisual. Seja em sites, seja no Facebook, seja no Youtube, ou outras, há mil e uma autarquias e se calhar ainda mais, que usam estes meios para realizar as suas reuniões públicas de órgãos executivos e órgãos deliberativos. E bem! E custa a crer que muitas destas não o fizessem já há anos, tal como vai custar a crer que muitas delas possivelmente não as vão manter depois do termino da pandemia, e respetivo confinamento.

Ora, a Assembleia Municipal de Aveiro, ao dia de ontem, 27, tinha agendada a sua reunião extraordinária, e sendo que a mesma deve ser, por lei, pública, assim esperávamos voltar, ao fim de praticamente uma década, poder assistir às Assembleias a partir das nossas casas, de forma livre, confortável e sem problemas.

Problemas! Foram, e muitos… a começar pela convocatória da mesma. Nem no site da Câmara, nem em qualquer rede social oficial da mesma, é disponibilizada a convocatória da Assembleia. Dir-me-ão, bem haverá um edital aí algures, certo! E quantos de nós andamos na rua neste momento, para conseguirmos avistar uma folha A4 na parede do edifício camarário?! Será que vale como exceção para apresentarmos uma justificação às autoridades?! Pois bem…

Foi decidido, pelo seu presidente, presumo, criar um evento no Facebook ao dia 26, promovendo a dita Assembleia Municipal, informando as pessoas de que a mesma seria transmitida em direto por esse mesmo meio, a partir das 20h30 do dia 27, como agendado na convocatória mistério. Seria de aplaudir esta “novidade”, não fosse, já no dia 27, o mesmo evento “facebookiano” ter sido cancelado, tendo sido dada a informação de que quem quisesse assistir (e não, não falo em participar! Apenas assistir) deveria solicitar o link de acesso através do seguinte e-mail: [email protected]. Assim o fiz, uma vez ainda na tarde do dia 27, e fiz nova tentativa já depois da dita Assembleia ter iniciado os trabalhos.

Resultado? Sem resposta até ao momento! Nem um link, uma resposta, uma satisfação! (tenho conhecimento de que não fui caso único)
Três questões simples:

– Porque é que o evento no Facebook foi cancelado, e não se fez a transmissão que estava planeada através de um Live? (fosse por esta plataforma ou outra qualquer);

– Porque não foi disponibilizado um link no site da Câmara ou nas redes sociais, para que todos aqueles que quisessem assistir aos trabalhos da Assembleia tivessem essa oportunidade?;

– Porque é que não houve resposta a cidadãos que solicitaram o link pela via indicada pelo município, a tempo e horas, e por variadas vezes?

Não querendo especular, porque facilmente todos os que conhecemos os intervenientes deduzimos os porquês, seria importante haver um esclarecimento por parte deste órgão sobre o que se passou nesta Assembleia Municipal Extraordinária, supostamente pública! Imaginando que uma desculpa tipo “falhas técnicas” não colherá aceitação junto de ninguém, tendo em conta que há meios e capacidade suficientes nos serviços do município para fazer a transmissão online dos trabalhos. Ou estamos mesmo pior do que estávamos em 2009?!

Esta capacidade que a Câmara tem em dar show-off (sim, relembro que o Sr. Presidente da Câmara faz os seus diretos no Facebook da autarquia, para propaganda pessoal e respondendo apenas às perguntas que quer, e não a todas as que lhe são colocadas), e a de simular a existência de uma democracia saudável, rica, plural, e que deseja realmente a participação dos seus cidadãos nos mais elementares atos autárquicos, já é conhecida de muitos, e de há muito. Mas quando esperamos não nos surpreender mais, pois aí armam eles mais uma encruzilhada para distanciar os cidadãos das suas instituições, dos seus direitos!

Ao fim de quase 8 anos, só não conhece a forma de fazer política em Aveiro quem anda alheado da vida pública, e só se deixa enganar por mais 4, quem gostar de ser gozado, literalmente gozado, por quem se acha acima de tudo e de todos.

Mas, não culpemos unicamente o Sr. Presidente da Câmara (o cérebro que em si concentra e tudo decide), a responsabilidade máxima, neste caso em concreto, é do Sr. Presidente da Assembleia Municipal, decisor máximo sobre este órgão e em última instância o que terá de vir a público dar resposta ao que aconteceu, e que nada favorece a sua imagem, dedicação à vida pública e apelos à participação cívica.

Não espero milagres, mas espero que os Aveirenses não se deixem enganar por quem não quer mais do que, impostos, taxas, obediência, subserviência e votos! A democracia boa ou má, os políticos bons ou maus, as políticas de excelência ou medíocres, estão cá e deverão ser sempre respeitados, sob pena de os cidadãos deixarem de a respeitar, de a exercer e de a cuidar.

* Gestor, eleito do PS na Assembleia de Freguesia de Cacia.

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