A traição da ADSE

860
Hospital de Aveiro (balcão de atendimento).
Comercio 780

“Não dar dinheiro aos privados!” é uma das mais flamejantes bandeiras da esquerda, no que concerne a política dos cuidados de saúde. Esta linha programática foi assumida pelo atual governo e, como é sabido, levou à não renovação de várias parcerias público-privadas, decisão com resultados demonstradamente negativos.

Por Acácio Gouveia *

Está a ler um artigo sem acesso pago. Faça um donativo para ajudar a manter o jornal online NotíciasdeAveiro.pt gratuito.

O que mete comigo a mão no prato, esse me trairá.”
Mateus 26.13

Fiel ao slogan, a tutela também rejeitou o modelo das USF tipo C, apesar da gritante falta de médicos de família. Podemos concluir que a pureza ideológica se sobrepõe ao pragmatismo, necessário à boa condução política.

Posto isto, passemos à análise duma contradição confrangedora. Refiro-me à promoção da medicina privada descarada, em detrimento do SNS, incentivada pela ADSE. Os factos são estes: A ADSE deixou (há meses/anos?) de aceitar as requisições de ECD emitidas pelo SNS. Quer dizer, a ADSE deixou de comparticipar os ECD de seus beneficiários que optem por ser seguidos nos serviços públicos. No entanto, as requisições emitidas por prestadores privados são comparticipadas. Indubitavelmente, a ADSE está a empurrar os seus beneficiários para os consultórios privados. Intoleravelmente antiético, já que implica aumento de custos por parte do utente. Mas em matéria de conduta reprovável não ficamos por aqui.

Siga o canal NotíciasdeAveiro.pt no WhatsApp.

É sabido que a ADSE é “um instituto público de regime especial e de gestão participada, integrado na administração indireta do Estado, com dupla tutela do Ministério da Presidência e do Ministério das Finanças, (…)”, portanto, não sendo uma empresa privada dedicada a gerir seguros de saúde, seria de esperar que tivesse uma política em sintonia com a filosofia do SNS público e não conflituasse com os seus mais básicos objetivos. Mas não! A insólita prática da ADSE (organismo paraestatal) de privilegiar os serviços privados vai ainda mais longe ao entrar em frontal contradição com a assumida doutrina estatizante, e adversa à atividade privada na prestação de cuidados de saúde, do atual governo. A tutela que recusa as USF C, em nome da fidelidade ao estandarte “não dar dinheiro aos privados”, é a mesma que tolera este ataque certeiro e indefensável aos cuidados de saúde estatais. A incongruência é total e merecia ser esclarecida.

Também não deixa de ser intrigante que, para além do governo, os partidos, nomeadamente os compagnons de route ideológicos do atual executivo, tão solícitos em arengar contra o desvio de recursos para os “privados”, não se tenham apercebido desta injustificável aposta nesses prestadores protagonizada pela ADSE. O mesmo se pode dizer dos sindicatos, da OM, das organizações dos profissionais dos CSP, dos próprios partidos da oposição (pelo menos de alguns) e dos médicos que militam em todos esses partidos.

* Especialista em Medicina Geral e Familiar. Artigo publicado originalmente no site Healthnews.pt.

Publicidade e serviços

» Pode ativar rapidamente campanhas promocionais no jornal online NotíciasdeAveiro.pt, assim como requisitar outros serviços. Consultar informação para incluir publicidade online.