A escolha das espécies florestais

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Floresta.

Um amigo gostava muito de castanheiros e queria plantar uma área na Bairrada. Expliquei-lhe que não era região para castanheiros e que a escolha das espécies florestais não se faz assim, que eles precisavam de frio no Inverno, que se dão bem acima de uma determinada altitude e virados a Norte. Mas o meu amigo gostava mesmo de castanheiros: teimou uma, duas, três vezes e não sobreviveram. Claro que o dinheiro era dele e tirou as devidas conclusões.

Por Vasco Paiva *

Na família dos Quercus – carvalhos – nota-se nas próprias folhas a adaptação a cada região: o Quercus pyrenaica, carvalho-negral, tem folha muito mais recortada para reduzir a evapotranspiração nas regiões do interior; mais para o litoral encontra-se o Quercus robur, carvalho roble ou alvarinho, com folha menos recortada, que já beneficia de mais humidade; se vamos para o sul então domina o sobreiro e a azinheira, ambas de folha pequeníssima para suportar os excessos de calor e a falta de humidade.

Na escolha das espécies florestais para fixar as dunas do litoral foi eleito o pinheiro-bravo, mas acima dos 700 metros a espécie já não se dá bem… se vamos para maior altitude, então é o pinheiro-silvestre o mais indicado. Em tempos foi muito procurado, quando se faziam postes de madeira, mas depois chegou o cimento…

Em solos pouco profundos, de grande pedregosidade, com frequência só resiste o pinheiro-bravo, que funciona também como espécie pioneira, podendo, sob a sua protecção, desenvolver-se outras espécies mais exigentes. Nesta espécie reconhecem-se duas subespécies, ou raças, uma atlântica, outra continental. Conforme as designações indicam, uma está mais adaptada a zonas do litoral, outra para o interior.

O eucalipto glóbulus (Eucalyptus globulus) também não se dá bem em toda a parte. Necessita de solo, humidade e temperaturas amenas. Em zonas de maior altitude sofre com os rigores do Inverno e em zonas com déficit hídrico também não se desenvolve. Toda esta conversa para dizer que não se escolhem as espécies por serem mais ou menos bonitas ou por questões de gostos ou afectos. Existem as condições edafoclimáticas (clima, solo, etc.) que determinam a escolha das espécies florestais, face à sua capacidade de adaptação, e esta escolha tem ainda em conta o interesse comercial – a possibilidade de venda. Reina, por vezes, alguma mentalidade de que a Natureza parece só existir fora das cidades… em que aqueles que vivem, ou trabalham nos meios rurais, têm de se sujeitar às vontades e gostos dos que lá não vivem…

Também não deixa de ser curioso que só se fala em exóticas quando o tema são árvores. E se alargássemos essa preocupação aos restantes produtos do campo? Deixávamos de plantar batatas? Milho? Laranjeiras? Olhem que a lista é mesmo grande… Se há boa água para consumo nas cidades é porque há floresta a montante que protege o solo, evita a erosão e ajuda à infiltração da água, que depois irá correr para os ribeiros e rios e desaguar nas torneiras das nossas casas. Claro que se paga a sua distribuição, mas ninguém paga a sua “produção”. O mais eficiente meio de fixação do carbono, libertando-se o oxigénio, está nas árvores – carbono que é retido no seu lenho, madeira, e mais tarde nos produtos transformados. E assim os meios rurais, a floresta, andam a limpar o CO2 e os monóxidos de carbono produzidos pelas cidades, fábricas, automóveis…

Claro que as árvores mais eficientes são as mais jovens e de crescimento mais rápido porque processam mais fotossíntese. Goste-se ou não se goste, é esta a verdade. A floresta que produz também protege!  A diversidade das espécies que temos depende, em grande medida, da capacidade de as transformarmos e utilizarmos, assim como das necessidades dos consumidores finais. Estas capacidades e necessidades mudam ao longo do tempo e a silvicultura também tem de se adaptar.

Na escolha das espécies florestais, a diversidade vai depender também, como já vimos, da sua utilização. Enquanto tivermos uma indústria de mobiliário que importa a maior parte da madeira que utiliza, é muito difícil termos utilização para as nossas madeiras nobres. Não poucas vezes, vemos que o único destino que encontram as madeiras nobres, como o carvalho ou outras, é o menos nobre: para lenha, para queima… Há interesse pelo castanheiro, nos locais próprios, porque há venda e transformação para o seu fruto. Há interesse pelo pinheiro-manso, nos locais próprios, porque há venda para o pinhão e capacidade de transformação, como a preparação do miolo e assim por diante.

Por tudo isto, afirmo que não se escolhem espécies por serem mais ou menos bonitas e que o problema da diversidade das espécies também está a jusante, na transformação, na indústria, no consumo. A silvicultura também se tem de adaptar aos destinos da madeira. Hoje já não se usam madeiras de grandes dimensões. Na generalidade as pessoas vivem em apartamentos, andares. É necessária mobília que se transporte e se monte facilmente. As peças de madeira podem ser coladas, ou encaixadas. Assim, serão precisos menores diâmetros e algumas dessas espécies podem ser cultivadas com ciclos, rotações mais curtas. Se o proprietário tem rendimento, então cuida melhor, limpa, preserva a sua propriedade. Qual a admiração? Não é assim nos outros sectores de actividade? Nas cidades, nas indústrias e comércios…

* Engenheiro Florestal, Licenciatura e Mestrado pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD). Durante mais de 20 anos foi responsável pela produção de plantas em viveiro, sendo actualmente consultor. Foi também, por diversas vezes, professor convidado na Escola Superior Agrária de Coimbra – Instituto Politécnico. Artigo publicado originalmente no site Florestas.pt.

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