Turismo Centro Portugal.

O turismo, que deveria e que poderia ser regenerador, não pode cair no erro histórico cíclico de ser apenas extrativista.

Por Pedro Castro *

O Dia Mundial do Turismo é, todos os anos, celebrado com discursos otimistas, conferências bem organizadas e comunicados recheados de números recorde: milhões de dormidas, milhares de voos e receitas sempre a subir. Mas esta narrativa oficial é enganadoramente confortável. Atrás da cortina de estatísticas, há um país que começa a sentir o peso de uma dependência perigosa: 13% do PIB e quase 12% do emprego estão diretamente ligados ao turismo. A questão que se impõe é esta: estamos a construir futuro ou a hipotecá-lo em nome de um crescimento demasiado unilateral, rápido e imediato?

O setor tem, sem dúvida, méritos. Trouxe vida a territórios desertificados, colocou Portugal no mapa global, gerou notoriedade internacional e contribuiu para que cidades como Lisboa e Porto renascessem aos olhos do mundo. Mas também trouxe desequilíbrios profundos. Hoje, a pressão sobre a habitação é insustentável, com bairros inteiros convertidos em hotéis e lojas de souvenirs, enquanto os habitantes são empurrados para fora sem que exista um conceito de mobilidade ajustado a essa realidade; o consumo de água e a produção de resíduos aumentam drasticamente, como se os recursos fossem infinitos. Os próprios trabalhadores, sem os quais este setor não funciona, continuam a ser pagos abaixo da média nacional, como foi recentemente divulgado pelo INE.

No meio de tudo isto, não deixa de ser irónico que o turismo venda experiências inesquecíveis a quem nos visita, mas ofereça condições de vida tão precárias para quem nele trabalha e cá vive. Na ausência de planeamento estratégico adequado e sem uma visão multidisciplinar, o turismo em Portugal transformou-se numa economia de extração. Da mesma forma como em tempos se explorou o carvão ou o ouro, hoje exploramos o território, a cultura e até o quotidiano das nossas cidades, das nossas comunidades e das nossas ruas. O resultado é previsível: uma “riqueza” mal distribuída, lucros a sair para acionistas estrangeiros e uma fatura social, política e ambiental que sobra quem cá fica.

O turismo, que deveria e que poderia ser regenerador, não pode cair no erro histórico cíclico de ser apenas extrativista. Portugal tem uma escolha pela frente: continuar na ilusão do “quanto mais melhor” ou assumir a responsabilidade de um novo modelo diametralmente oposto ao de se construir um novo aeroporto em Lisboa para 100 milhões de passageiros/ano; um modelo mais regulado, com melhor distribuição dos benefícios e dos custos; um modelo que planeia a 30 anos em todos os aspetos societários e não apenas até ao próximo verão. O turismo pode ser regenerador, mas só se houver uma vontade coletiva para mudar o guião.

O que está em causa não é apenas a reputação de Portugal como destino, mas a qualidade de vida de quem cá vive e o legado que deixaremos às próximas gerações. Portugal não pode de ser apenas um destino de férias no mapa; precisa de ser, antes de tudo, um destino de vida para os seus próprios cidadão

* Diretor da SkyExpert Consulting e docente em Gestão Turística no ISCE. Artigo publicado originalmente no site Publituris.

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