Direitos das mulheres. Imagem genérica.

As declarações da ministra do trabalho, Maria do Rosário, sobre um suposto abuso da licença de amamentação pelas trabalhadoras, não são apenas infundadas como são um caso de desinformação institucional com consequências potencialmente graves para mães, crianças e para a própria credibilidade política da ministra.

Por Diogo Fernandes Sousa *

Os números oficiais são claros. A Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), entidade responsável por fiscalizar estas matérias, afirmou não ter registo, nos últimos cinco anos, de qualquer queixa formal contra trabalhadoras por uso abusivo deste direito. Pelo contrário, desde 2021, foram detetadas 23 irregularidades cometidas por empresas, incluindo autuações e advertências por violar ou limitar o direito das mães a reduzir o horário para amamentação. A Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) confirma a mesma realidade de que não existem denúncias de abuso por parte de trabalhadoras.

Ou seja, os factos desmentem frontalmente a narrativa política da ministra. Não estamos perante um problema de “mães a aproveitar-se da lei”, mas sim perante um problema de empregadores que violam direitos e pressionam trabalhadoras a abdicar deles. Isto é mais do que uma simples questão de rigor estatístico, é uma questão de justiça social e de proteção da infância.

A licença de amamentação que, em Portugal, permite a redução do horário de trabalho até duas horas por dia, não é um luxo, nem um “privilégio” como alguns tentam insinuar. É uma medida de saúde pública e de desenvolvimento infantil. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda a amamentação exclusiva até aos seis meses e a sua continuação, em conjunto com outros alimentos, até aos dois anos ou posterior.

As razões são sólidas e baseadas em evidência científica: o leite materno contém todos os nutrientes essenciais; reduz o risco de infeções, alergias, doenças respiratórias e gastrointestinais; está associado a melhores indicadores de desempenho escolar e QI no futuro; e fortalece a ligação mãe-bebé, promovendo segurança emocional e bem-estar psicológico.

Limitar este direito aos dois anos e impor burocracias como a apresentação periódica de atestados médicos não só contraria as recomendações, como desencoraja a amamentação prolongada, prejudicando a saúde das crianças.

O mais grave, contudo, não é apenas a proposta de restrição, mas a inversão completa das prioridades políticas: em vez de reforçar a fiscalização contra abusos patronais, a ministra escolhe lançar suspeições sobre mães, sem dados que sustentem tais afirmações. É uma narrativa perigosa porque legitima preconceitos no local de trabalho e fragiliza a posição das mulheres.

Esta opção política ignora o óbvio: o abuso que existe é do lado de quem nega ou dificulta o exercício de um direito legal, não de quem o utiliza para cumprir uma função biológica e social. A lei atual é equilibrada e alinhada com as recomendações da OMS e da UNICEF. Alterá-la com base em perceções erradas seria um retrocesso social.
Num país de defensa do estado social, a amamentação deve ser protegida e promovida, ao invés de questionada ou vigiada como um abuso potencial. O papel do governo deveria ser apoiar as mães, punir os infratores e alinhar-se com a evidência científica.

Se há reforma a fazer, é no combate às violações patronais e no reforço das condições para que todas as mães possam exercer este direito sem medo. Tudo o resto é ruído político e desinformação.

* Escritor do Livro “Rumo da Nação: Reflexões sobre a Portugalidade”. Professor do Instituto Politécnico Jean Piaget de Vila Nova de Gaia.

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