Recolha Seletiva de Biorresíduos.

No quotidiano das cidades, poucos temas são tão invisíveis quanto inevitáveis como o dos resíduos sólidos urbanos (RSU). Pouco se fala deles, mas estão em todo o lado. Produzimo-los diariamente, em casa, no trabalho. E, no entanto, mal nos damos conta do que lhes acontece depois de os depositarmos no contentor. O que muitos ignoram é que o lixo urbano é, simultaneamente, um negócio de milhões e um serviço essencial sem o qual a vida em sociedade se tornaria insustentável.

Por Diogo Fernandes Sousa *

A gestão de resíduos sólidos urbanos não é apenas uma questão de limpeza. É um dos pilares da saúde pública, da ordem urbana, da sustentabilidade ambiental e da economia circular. Portugal produz anualmente cerca de 5 milhões de toneladas de RSU. Gerir esse volume exige uma complexa cadeia de recolha, transporte, triagem, tratamento e deposição, que envolve empresas públicas, privadas e sistemas intermunicipais, num negócio que movimenta centenas de milhões de euros por ano.

Este é um setor regulado, mas também desigual. Em algumas partes do país, a recolha seletiva está bem implementada e os resíduos recicláveis representam uma fatia crescente. Noutras, continua a imperar o modelo do aterro, com consequências ambientais e económicas. Para além dos impactos diretos, como as emissões de gases e a contaminação de solos, o aterro representa um desperdício de materiais que podiam ser reintroduzidos na economia.

Outro problema corresponde ao modelo de financiamento da gestão de resíduos que continua assente em taxas municipais que não refletem os custos reais do serviço, nem incentivam comportamentos mais sustentáveis por parte dos cidadãos. Falta ainda transparência no negócio dos resíduos, onde os contratos de concessão, as fusões empresariais e a concentração de operadores levantam questões sobre concorrência.

Há, no entanto, oportunidades inegáveis. Com o avanço da tecnologia, os resíduos podem e devem ser vistos como recursos. A valorização energética, a compostagem e a reciclagem de materiais como plástico, papel, metais e vidro têm potencial para criar valor económico, reduzir a pressão sobre os recursos e gerar emprego qualificado. A transformação digital pode ainda otimizar rotas de recolha, reduzir custos operacionais e melhorar a monitorização ambiental.

No plano político, é necessário rever o sistema de incentivos. Os municípios devem ser premiados pelas boas práticas de gestão de resíduos e penalizados pelo incumprimento das metas de reciclagem e reutilização. Do mesmo modo, os cidadãos devem sentir que reciclar o lixo compensa do ponto de vista ambiental, mas também financeiro.
Não menos importante é a sensibilização. Um sistema eficaz de gestão de RSU começa em casa, quando decidimos em que contentor deitamos fora a embalagem. É também uma questão cultural e educativa.

No final de contas, os resíduos urbanos são o espelho da sociedade pois revelam o que consumimos, o que desperdiçamos e o que valorizamos. Um sistema de gestão de resíduos tem de ser eficiente, justo, transparente e ambientalmente responsável.

Transformar lixo em valor é um dos grandes desafios urbanos e é também uma oportunidade para repensar a economia, proteger o ambiente e melhorar a vida nas cidades.

* Escritor do Livro “Rumo da Nação: Reflexões sobre a Portugalidade”. Professor do Instituto Politécnico Jean Piaget de Vila Nova de Gaia.

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