Floresta.

Neste verão, Portugal voltou a arder. Centenas de milhares de hectares calcinados, aldeias evacuadas e um custo humano e económico que se repete ano após ano. Em 2025 os incêndios florestais consumiram quase 279 mil hectares – cerca de 3% do território nacional (dados do European Forest Fire Information System) – e, na última década, o país perdeu 13% da sua superfície em incêndios, com prejuízos na ordem dos milhões e um impacto devastador na biodiversidade.

Por Samuel Delesque *

Cada verão lembra-nos o mesmo: o modelo atual não funciona. Continuar a apostar em monoculturas e no abandono rural é continuar a alimentar o fogo. A questão é clara: como reduzir a intensidade e a frequência dos incêndios, devolvendo vida e oportunidades ao meio rural? A resposta resume-se numa palavra: regeneração.

Durante décadas, Portugal apostou em modelos florestais e agrícolas que maximizam a produção a curto prazo: monoculturas sucessivas, espécies não-autóctones como o eucalipto, plantação generalizada em grande parte do território nacional e solos cada vez mais degradados. O resultado é uma paisagem inflamável, com combustível ininterrupto e baixa humidade. Quando chegam as ondas de calor, o fogo encontra autoestradas verdes. Este modelo não só é perigoso, como também é economicamente frágil: Portugal, por exemplo, importa mais de 5,2 mil milhões de euros em alimentos por ano. Depende do exterior para se alimentar e, ao mesmo tempo, o próprio território continua a ser altamente vulnerável ao fogo.

A alternativa existe e já está a ser implementada: a agrofloresta regenerativa. Trata-se de sistemas que combinam árvores, culturas e pastagens em mosaicos produtivos, intercalados com infraestruturas de retenção de água, como lagoas, socalcos e valas de infiltração. Estes projetos não só produzem alimentos e geram emprego local, como quebram também a continuidade do combustível e aumentam a humidade do solo, tornando os incêndios mais lentos e controláveis. Em Portugal, a agrofloresta sintrópica, inspirada em Ernst Götsch (referência internacional em agricultura sintrópica e regeneração ecológica), demonstrou que pode transformar campos secos em ecossistemas resilientes. Plantações densas, podas estratégicas e sucessão planeada criam sistemas que se autoalimentam e devolvem a fertilidade ao solo.

Regenerar não é apenas plantar árvores: é redesenhar o território para que produza alimentos, retenha água e ofereça emprego. A agrofloresta é uma fonte de rendimento diversificada, com culturas próprias de plantas oleaginosas, frutos secos, pastagem ou mel, criando paisagens mais seguras. Desta forma, seria constituído um mosaico produtivo capaz de interromper o avanço do fogo, ao mesmo tempo que a vegetação e as práticas de retenção de água aumentam a humidade do solo. A prevenção torna-se assim um investimento com retorno económico, social e ecológico. De acordo os nossos cálculos, substituir 50% das plantações de eucalipto por agrofloresta poderia aumentar o PIB português em 3% e criar até 43 000 empregos, além de reduzir drasticamente o risco de incêndios. Não estamos a falar apenas de ecologia: estamos a falar de economia, soberania alimentar e resiliência climática.

No entanto, enquanto trabalhamos na regeneração, temos de conviver com o fogo. Isso implica a instalação de corta-fogos naturais, pastoreio direcionado, queimadas controladas no inverno e pontos de água estratégicos. As mesmas ações que reidratam a paisagem servem para travar os incêndios e abastecer as equipas que os combatem. Não se trata apenas de apagar fogos, mas de reconfigurar o território para que arda menos e recupere mais rapidamente. Um simples sistema de lagoas e valas de infiltração pode mudar tudo: mais água disponível, mais biodiversidade e menos risco.

Portugal deu passos importantes desde 2017: novas normas para plantações, mosaicos-piloto e reconhecimento da agrofloresta pela Política Agrícola Comum (PAC). Mas falta o essencial: escalar estas medidas. Concluir o cadastro, reorganizar a propriedade fragmentada, simplificar o licenciamento e canalizar incentivos para sistemas mistos que devolvam vida ao solo e agreguem valor às comunidades. Os desafios são reais: fragmentação da propriedade, falta de recursos financeiros, burocracia, escassez de mão de obra e resistência cultural. Como superá-los? Com um cadastro completo e o agrupamento de parcelas de terreno; com financiamento híbrido que combine a PAC, créditos de carbono e água, e investimento impactante; com autorizações simplificadas e controlo digital para reduzir a burocracia; com formação em agrofloresta e remuneração por serviços ecossistémicos; e com narrativas positivas que façam da regeneração um motivo de orgulho coletivo.

A regeneração não é um mero acontecimento, é um processo. Muitos sistemas sintrópicos atingem um metabolismo «tipo floresta» entre 10 e 12 anos, mas os primeiros resultados seriam visíveis antes disso: entre três e sete anos, a paisagem mudaria visivelmente e, numa década, a resiliência seria já profunda. Entretanto, devemos combinar a regeneração com a prevenção ativa para reduzir os riscos.

A alternativa é clara: paisagens vivas, diversas e produtivas que nos protejam e nos alimentem. Como sociedade, devemos escolher entre continuar a pagar o custo do fogo ou investir num futuro regenerativo. Não é uma utopia: é a única estratégia sensata para um futuro habitável em Portugal.

* Cofundador da ecovila regenerativa Traditional Dream Factory (TDF). Artigo publicado originalmente em Ambiente Magazine.

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