“Por uma Economia de Serviços em torno do Património Cultural”

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Concurso "Riscar o Património".
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Para aqueles que estão mais afastados do tema do Património Cultural (monumentos, museus e palácios), importa saberem que, até à data de hoje, em Portugal, a gestão deste bem é um monopólio estatal operacionalizado por instituições do poder central ou então de nível municipal. Existe ainda uma curta parcela de bens que é gerida por entidades de natureza privada, praticamente todas elas com o carácter de fundação sem fins lucrativos.

Por Catarina Valença Gonçalves *

Esta opção continuada no tempo tem os seus resultados bem à vista de todos: a percepção comum de acentuado abandono dos edifícios com carga patrimonial; a generalidade da população portuguesa sem hábitos instituídos de visita a museus ou monumentos; uma matéria “patrimonial” que circula num ambiente restrito constituído por uma dupla “académicos / dirigentes de instituições”, alternando entre si, ciclicamente, os lugares de decisão. Tudo confluindo naquilo que nem poderemos chamar de “divórcio” – porque tal pressupõe uma relação prévia –, mas mais uma ausência de relação com um Bem que é, afinal, uma herança de todos.

De facto, o Património Cultural é de todos: sendo cidadãos deste país, cada um de nós recebe à nascença um conjunto de bens extraordinários, materialização de uma história rica, diversificada e longa que é a História de Portugal. Todos somos proprietários destes Bens. Mas quantos Bens são estes e qual o seu valor económico e social?

No Estudo “Património Cultural em Portugal: Avaliação do Valor Económico e Social” que tivemos oportunidade de levar a cabo com outros dois colegas em 2020, resumimos de forma objectiva a realidade actual do nosso “parque patrimonial”, mas, também, o seu potencial de geração de valor económico e social. Debruçando-se sobre os cerca de 4500 monumentos classificados em Portugal (de um universo total de mais de 35 000 monumentos inventariados), o Estudo conclui da sua equitativa dispersão pelo país, atendendo a propriedade, nível de classificação e caracterização da população recente (nível educacional e rendimento per capita). O Estudo avalia, de seguida, o potencial de valor económico e social gerado caso pudéssemos antes considerar os mais de 4500 monumentos prontos a receber visitantes ao invés dos cerca de 250 monumentos classificados actualmente abertos ao público. Nessa situação, e caso estes monumentos estivessem abertos à visitação seguindo um modelo tão efectivo quanto o dos melhores modelos de gestão identificados, seriam atingidos cerca de 56 milhões de visitantes, gerando mais de 3 vezes da receita actual e apenas em bilhética, contribuindo para 1 emprego a tempo inteiro por cada 25 000 visitantes por monumento, aumentos de 3% para os empregos directos em hotelaria e, finalmente, aumento de mais de 3% em dormidas por município.

Urge, assim, reconhecer por parte de todos, e do Estado em particular, o Património Cultural como um “Bem Colectivo estratégico de desenvolvimento económico e social sustentado do país”. Consequentemente, promover uma política patrimonial focada nos cidadãos, no outro, nas pessoas – na fruição –, a par de, por ser um Bem Colectivo, poder a sua gestão, operacionalização, disponibilização ser levada a cabo por todos aqueles que reúnam as capacidades técnicas necessárias, independentemente de serem organizações de natureza pública ou privada.

Em tantos equipamentos, territórios e países na Europa existem práticas de dinâmicas de gestão patrimonial profundamente entrosadas na sociedade civil: não se trata assim de aplicar em Portugal iniciativas arriscadas, não testadas, sem que possamos verificar os seus impactos e conhecer antecipadamente os erros a não cometer.

A libertação deste nefasto casamento entre o cidadão e o Estado, com a entrega de uma putativa procuração ao segundo para dispor livremente de um Bem que é pertença do primeiro tem de ser denunciado: a relação cidadão / Estado em matéria de Património Cultural tem de ser reconfigurada sob o espectro do paradigma do Bem Colectivo, dando primazia à fruição e contemplando a diversidade de agentes no terreno.

Não nos falta – perante a multiplicidade de fundos que os próximos anos proporcionarão – meios financeiros para pormos este paradigma em prática.

Dito de outra forma: este é o momento certo.

* Diretora-geral da Spira Artigo publicado originalmente no site Ambitur.

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