
As eleições antecipadas redesenharam o mapa político português com a emergência do Chega como principal força de oposição, não apenas em termos parlamentares, mas também na perceção pública. Deixou de ser um canal de protesto para consolidar uma base eleitoral fiel, que reconhece em André Ventura um líder capaz de dar voz a segmentos da população que se sentem ignorados pelo sistema.
Por Diogo Fernandes Sousa *
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Este novo equilíbrio obriga os partidos tradicionais a uma reflexão. O bipartidarismo PS/PSD, que dominou a democracia portuguesa, terminou. E, apesar das naturais incertezas que essa fragmentação pode trazer, há também espaço para ver este cenário como uma oportunidade de renovação, de pluralismo e de maior representatividade.
Perante este novo contexto, a estabilidade política depende de acordos entre os dois principais partidos, PS e PSD. Apesar das divergências ideológicas, ambos têm agora a responsabilidade de assegurar governabilidade, evitando cenários de eleições antecipadas que apenas alimentariam o descrédito nas instituições. Um entendimento entre socialistas e sociais-democratas, ainda que limitado no tempo e nos objetivos, pode ser o garante dessa estabilidade.
A ascensão do Chega traz consigo uma exigência de moderação e responsabilidade. O partido deixou de poder escudar-se na marginalidade parlamentar ou no discurso disruptivo sem consequências. Com maior representatividade vem maior escrutínio. Cabe-lhe, por isso, moderar o tom, ainda que sem abdicar das suas bandeiras políticas, e demonstrar capacidade de diálogo, consistência programática e espírito institucional. Só assim poderá continuar a crescer e, eventualmente, aspirar à governação com credibilidade.
Por outro lado, é urgente encarar uma reforma do sistema eleitoral, nomeadamente com a criação de um círculo de compensação. Este mecanismo permitiria uma maior proporcionalidade entre os votos expressos e os mandatos atribuídos, reduzindo o desperdício de votos e garantindo que todas as forças políticas, mesmo as com expressão mais reduzida, tenham representação justa no Parlamento. Num sistema já claramente multipartidário, tal ajustamento deixaria de ser uma proposta teórica para se tornar uma necessidade prática.
O PS, agora afastado do poder, enfrenta provavelmente uma travessia no deserto. Mas esse período pode ser benéfico se for aproveitado para uma profunda renovação interna de ideias, de quadros e de práticas. O desgaste natural do poder, aliado ao crescente cansaço do eleitorado com as dinâmicas instaladas, exige uma reflexão sobre o futuro do partido e o seu papel numa nova configuração política.
O PSD, à frente do Governo, não pode repetir os erros do passado. A tentação de replicar a lógica de “job for the boys” e de manter as teias de favorecimento partidário será fatal. O eleitorado está mais atento e qualquer deslize poderá não apenas custar a liderança do Governo, mas também abrir definitivamente a porta ao Chega para assumir um papel central na governação futura.
Portugal vive um momento de viragem. Os equilíbrios mudaram, o sistema transformou-se e os partidos são chamados a repensar o seu papel num quadro mais fragmentado e mais exigente. Saber lidar com esta nova realidade é o verdadeiro teste de maturidade da democracia e dos seus atores de primeira linha.
* Escritor do Livro “Rumo da Nação: Reflexões sobre a Portugalidade”. Professor do Instituto Politécnico Jean Piaget de Vila Nova de Gaia.
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