Laboratório (Universidade de Aveiro).

Em Portugal, o sistema científico nacional assenta, em boa medida, no trabalho desenvolvido por bolseiros de investigação – investigadores em início de carreira que desenvolvem atividades em projetos de investigação, mas não só. Estes bolseiros desenvolvem os seus trabalhos sozinhos, ou em equipas de investigação, em instituições de ensino superior, centros de investigação e outras entidades, sendo apoiados maioritariamente por bolsas financiadas pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT).

Por Bruno Vilhena, Catarina Feio e Cátia Cardoso *

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Atualmente, existem diferentes tipos de bolsas de investigação, cada uma com um papel específico na formação e consolidação de carreiras científicas. As mais comuns são as bolsas de investigação, que se destinam a estudantes de licenciatura, mestrado, ou doutoramento, e são atribuídas no âmbito de projetos de investigação (a unidades de investigação, ou não) para desenvolver esses projetos, tendo durações pré-definidas (habitualmente de 6 meses ou 1 ano, renováveis) e um objetivo específico. Já as bolsas de doutoramento (ou de doutoramento em empresas), atribuídas diretamente pela FCT a estudantes de doutoramento, têm como objetivo apoiar a formação avançada de investigadores que se apresentaram a concurso com um projeto de investigação para realizar o seu doutoramento. Existem ainda as bolsas de pós-doutoramento que se destinam a investigadores já doutorados que pretendem aprofundar e/ou diversificar as suas linhas de investigação.

Nos anos de governação socialista – entre 2015 e 2024 – foram adotadas medidas que procuraram responder à precariedade estrutural associada a este modelo e reverter o ciclo de desinvestimento do período da “Troika”.

O PS aumentou o orçamento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), permitindo mais bolsas, projetos e contratos para investigadores. Criou o Estímulo ao Emprego Científico, possibilitando a contratação de milhares de doutorados e combatendo a precariedade no setor. Além disso, promoveu concursos regulares para bolsas de doutoramento e pós-doutoramento, garantindo maior estabilidade e previsibilidade. O PS também reforçou os direitos dos bolseiros, aumentando o valor das bolsas, alargando a proteção social e implementando medidas de apoio à parentalidade. A nível estrutural, os governos socialistas investiram na consolidação da rede de centros de investigação e no apoio à internacionalização da ciência portuguesa em programas europeus. Foi introduzido o Decreto-Lei n.º 57/2016, (que aprovou um regime de contratação de doutorados destinado a estimular o emprego científico e tecnológico em todas as áreas do conhecimento) que permitiu substituir parte das bolsas por contratos de trabalho a termo, garantindo alguns direitos laborais a investigadores que, há anos, saltavam de bolsa em bolsa sem conseguir um vínculo

Ainda assim, os restantes continuam a ser financiados através de bolsas, sem vínculo laboral, e sujeitos a condições de instabilidade – como os atrasos nos pagamentos iniciais e a obrigação de dedicação exclusiva, como a seguir desenvolvemos. Apesar dos avanços, o sistema mantém-se frágil, com assimetrias entre instituições e uma certa dependência das bolsas para o funcionamento dos centros de investigação, o que tem alimentado um debate político em torno do futuro das bolsas de investigação, o seu papel para o futuro da ciência em Portugal e o seu reconhecimento e valorização para fixar talento e reforçar o papel do conhecimento no desenvolvimento do país.

Os partidos tendem a adotar a bandeira do investimento na investigação científica em anos de campanha eleitoral e esta temática surge nos programas eleitorais como uma prioridade. Contudo, uma leitura atenta aos programas eleitorais das legislativas de 2025 revela que, no que toca aos bolseiros de investigação – a espinha dorsal da ciência em Portugal -, apenas o Partido Socialista (PS) apresenta propostas concretas, realistas e exequíveis a curto/médio prazo.

À direita, a AD, a Iniciativa Liberal e o Chega falham para com os bolseiros de investigação, pois não só não dão resposta às dificuldades que estes enfrentam, como os ignoram totalmente nos seus programas. A AD limita-se a metas genéricas de investimento em ciência e inovação, sem uma palavra sobre a precariedade dos bolseiros ou a necessidade de garantir condições de trabalho dignas. Fala em “aproximar o investimento dos 3% do PIB” e em “atrair investigadores”, mas renega os investigadores que já cá estão.

A IL, com uma abordagem pró-mercado, nem sequer menciona os bolseiros de investigação no seu programa. A sua visão restringe-se à “autonomia científica” e à “progressão por mérito”, sem reconhecer a precariedade estrutural que mina qualquer política séria de ciência. Olham para a criação de conhecimento científico como para o mercado: o que rende mais deve ter prioridade, ficando implícito que o resto deve ser colocado em segundo plano.

O Chega, por sua vez, propõe um vago “aumento do investimento no emprego científico”, focando-se sobretudo na Inteligência Artificial, mas sem apresentar qualquer solução para quem hoje trabalha sem contrato e sem direitos laborais, nem estabilidade. Um total desconhecimento do que é e de como se faz ciência em Portugal, ou uma vontade de castrar a produção e divulgação do conhecimento científico, não fossem os ataques às universidades e ao conhecimento uma marca da extrema-direita

No lado oposto do espectro político, candidaturas como a CDU, o Bloco de Esquerda e o Livre apresentam propostas ambiciosas, mas também utópicas, impossíveis de serem concretizadas numa legislatura. Defender a revogação imediata do Estatuto do Bolseiro de Investigação e a conversão automática de todas as bolsas em contratos de trabalho é, sem dúvida, justo do ponto de vista ético, mas é irrealista. Diríamos até que revela uma falta de compreensão de como funcionam e para que servem os diferentes tipos de bolsas de investigação. As propostas destes partidos ignoram as diferenças entre tipos de bolsas (de investigação, de doutoramento, de pós-doutoramento, etc.), tratando a diversidade do ecossistema científico como se fosse um bloco homogéneo. Realça-se que não se resolve a precariedade estrutural de décadas em quatro anos sem pôr em causa o financiamento e a capacidade operacional de muitas unidades de investigação.

Se queremos mudança, é necessário apresentar medidas pragmáticas e exequíveis, de modo a poderem ser adotadas sem resistência por parte das instituições.

O Livre propõe, por exemplo, limitar as bolsas a dois anos e transformar qualquer investigação mais longa em contrato de trabalho. A intenção é meritória, mas teria de vir acompanhada com medidas que pudessem resolver o problema de que nem todas as instituições, ou projetos, estão preparados para absorver a carga orçamental e administrativa que isso implica – arriscando, no imediato, a redução do número de oportunidades disponíveis para jovens investigadores, tal como poderá comprometer o próprio sistema de atribuição de bolsas de doutoramento.

Por sua vez, em vez de prometer o impossível, o PS compromete-se com avanços concretos: equiparar os bolseiros de investigação a trabalhadores para efeitos de segurança social; desburocratizar a relação dos centros de investigação com a FCT; reforçar os orçamentos dos concursos de I&D para atingir padrões internacionais; e lançar programas de apoio para carreiras especializadas de gestão e apoio à investigação. Estas propostas não só melhoram diretamente as condições dos bolseiros como também reforçam todo o ecossistema científico, criando as bases para futuras reformas estruturais. E, mais importante, são propostas que podem fazer a diferença já amanhã.

Em tempos eleitorais, mais do que apresentar propostas bondosas e ilusórias, importa reconhecer que um mandato, mesmo quando levado até ao fim, é um período limitado e dentro do qual não é possível reformar toda a estrutura da investigação científica, particularmente no que concerne às bolsas de doutoramento. Todavia, é possível pensar a curto/médio prazo e com um enquadramento realista.

Por exemplo, o contrato entre bolseiros e a FCT implica uma declaração sobre exercício de funções em regime de dedicação exclusiva, contudo, desde a data de início desse contrato até à data em que os bolseiros recebem, efetivamente, a primeira mensalidade (e as restantes, com retroativos) podem decorrer meses. Durante esses meses, os bolseiros não só não recebem qualquer quantia, como também não podem exercer outra atividade remunerada. Esta é, pois, uma situação que coloca os bolseiros num ambiente de instabilidade, reforçando a sua condição de precariedade e a sua falta de segurança financeira.

Ao candidatar-se à bolsa, os doutorandos já entregam praticamente toda a documentação necessária, portanto, entendemos que esse tempo pode e deve ser encurtado, fazendo a diferença na vida dos doutorandos na sua entrada para o estatuto de bolseiro. Aliás, semelhante política já foi adotada, pelo anterior Governo PS, no contexto das bolsas de estudo no ensino superior, sendo que no caso dos bolseiros de doutoramento não se trata sequer de uma antecipação, pois o valor das bolsas é igual para todos os doutorandos, não havendo necessidade de reajustes posteriores. Assim, esta é uma proposta exequível, que este artigo vem defender, já que apenas pretende acelerar o processo de pagamento das bolsas e atenuar, assim, os constrangimentos provocados pelo atraso desses pagamentos.

É necessário reconhecer que a ciência e a investigação científica devem ser os pilares do progresso das sociedades contemporâneas. Não podemos permitir que os jovens investigadores – tão necessários para contribuir para o desenvolvimento social e económico do nosso país (fora o dos centros de investigação e universidades) – sejam aliciados a procurar um futuro lá fora ou que desistam do seu percurso académico. Reter e valorizar este talento é essencial para o desenvolvimento de Portugal e deve ser uma responsabilidade coletiva. Nestas eleições, o PS apresenta medidas que podem ser implementadas no curto prazo e com efeitos positivos a longo prazo e que podem concretizar-se, na prática, com propostas como aquela aqui enunciada de contornar os atrasos nos pagamentos da FCT. Está na hora de fortalecer a ciência e promover a construção de um futuro em que o conhecimento científico é um motor de progresso.

* Bolseiros de Doutoramento.

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