Fotografia: “Momentos de Abril” retrata “o lado humano, emocional, o que foi a reação das pessoas”

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25 de Abril (foto de Victor Valente).
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“Momentos de Abril” captados por um fotógrafo amador durante o levantamento militar, em Lisboa, que conduziu à queda do Estado Novo, dão o mote para a exposição patente a partir desta sexta-feira no cineteatro de Albergaria-A-Velha (com áudios).

O ator, músico e dinamizador cultural Vitor Valente, 73 anos, radicado em Albergaria-A-Velha, revelou imagens, algumas pela primeira vez, de ‘negativos’ transformados em ‘cápsulas do tempo’, retratando as horas que se seguiram à madrugada por tantos esperada, no “dia inicial inteiro e limpo, onde emergimos da noite e do silêncio”, como escreveu Sophia de Mello Breyner Andresen.

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NotíciasdeAveiro.pt – Como surgiu a ideia desta exposição, sendo que não é a primeira vez que mostra fotografias do 25 de Abril, mas agora a pretexto dos 50 anos.
Vitor Valente – Foi um convite do presidente da Assembleia Municipal de Albergaria-A-Velha, Mário Branco, para incluir nas comemorações oficiais do município alusivas ao 25 de Abril. Sabendo que eu tenho um grande espólio fotográfico – algumas das quais já expus no cineteatro Alba -, convidaram-me para acompanhar a exposição do Centro de Documentação 25 de Abril, da Universidade de Coimbra, que aborda mais a guerra colonial.

Qual é a perspetiva da sua exposição ?
A minha exposição aborda mais o lado humano, emocional, o que foi a reação das pessoas, etc. Embora tenha algumas, poucas, imagens das operações militares. Aproveitei para digitalizar todas as minhas fotografias do 25 de Abril, quase 300, e expor fisicamente impressões digitais feitas agora de propósito – 25 delas -, e  haverá um slide show permanente a funcionar num projetor vídeo com muitas outras. É uma das três exposições, para além da do Centro de Documentação e outra do arquivo municipal, que retrata o 25 de Abril em Albergaria-A-Velha que só chegou uns dias depois, ninguém sabia muito bem o que se estava a passar.

“No 25 de Abril estava em Lisboa, fui repentinamente acordado pelas 6:00 por outros estudantes da Escola Superior de Teatro do Conservatório Nacional. Se está a haver uma Revolução, vamos para a rua e fomos à procura da Revolução” (ouvir podcast abaixo)

“Fui fotografando, no meio de tiros, que também houve. Fui propositadamente fotografando os rostos. As armas estavam nos soldados, mas o povo estava todo na rua” (ouvir podcast abaixo)

Tem imagens inéditas ?
Tem, sobretudo no vídeo tem muitas que nunca foram vistas em público. Algumas nunca as tinha impresso, nem visto. Negativos de 35mm, vistos na mesa de luz. Algumas estou agora a digitalizar e a ver pela primeira vez. Espero digitalizar e tratar o espólio, são negativos com 50 anos que precisam de cuidados. Outras já integraram a exposição “Lisboa 23 anos, 25 de Abril”, em papel fotográfico, que tem andado por aí e esteve em Espanha. Nesta exposição optei pelo digital, através do qual espero salvaguardar religiosamente a coleção.

50 anos depois, as fotografias que vê é o que estava na sua memória ? O que transmitem hoje ?
Transmitem o momento que aquilo foi, a festa que o 25 de Abril foi. A maneira forte como vivi o 25 de Abril e o pós, que foi muito intenso. Desde os 15 anos que era ativista político. Como é evidente foi muitíssimo importante para mim, tinha muitos amigos presos, todas essas coisas que aconteceram antes. Encontrei na Torre do Tombo papéis onde o meu nome é citado por agente informador… Foi uma experiência que nunca mais esqueço, sem saudosismos. Passaram-se coisas importantes, entrou-se na democracia. É um marco, sobretudo para as novas gerações, para que não queiram voltas atrás.

Foto do 25 de Abril (Victor Valente).

Qual a sua fotografia mais emblemática ?
Talvez uma pelo enquadramento e ponto de visto artístico, que é a única foto analógica que tenho a iniciar na exposição, um soldado de metralhadora ao alto, com cravo. Há uma outra marcante, uma fotografia de uma manifestação. avenida acima, com dois marinheiros e uma outra pessoa no meio, numa manifestação, um pano que dizia ‘vitória e liberdade’. Mas cada uma daquelas fotos diz-me algo.

[Fotografias de Victor Valente tiradas no 25 de Abril podem ser encontradas no seu perfil de Facebook]

Cumpriu-se Abril ?
Depende como entendermos Abril. O 25 de Abril foi uma coisa, depois aconteceram muitas outras coisas, algumas muito complicadas…momentos de tensão. Eu era ativista do que se chama extrema esquerda. Hoje sou do Bloco de Esquerda. Ocorreram imensas ‘batalhas campais’, com gente do MRPP por exemplo. Todas essas coisas tiveram o seu tempo, as ocupações das herdades, a Reforma Agrária. Seria de esperar uma normalização do regime democrático. Chegados aos tempos de agora, não sei… Preocupa-me bastante aqueles que são saudosistas do 24 de Abril e começam a ter muito poder, dentro ou fora do panorama democrático. A ver vamos, há que esperar, tivemos agora eleições, governo, não sabemos por quanto tempo. Tudo está em aberto. Vamos cantando e rindo, como dizia o menino do fascismo.

Às novas gerações não falta informação para perceberem o que foi Abril, as suas especificidades. Sente que os jovens são curiosos por isso ?
Penso que não muito. Além do mais, as redes sociais transmitem muitas coisas falsas… em que as gente nova alinha. Espero que não venham a passar pelo que eu passei antes do 25 de Abril. O 25 de Abril com as características que teve é um caso de estudo, nunca tinha acontecido algo assim. Houve fases com atividades mais radicais, mas sabíamos que mais tarde ou mais cedo tudo se iria normalizar. O importante é que hoje posso dizer o que me apetecer, cantar o que me apetecer e votar em quem apetecer.

25 de Abril (Foto de Victor Valente).

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