COP26: Metas antigas quebradas e falta de ambição nas novas

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Imagem BBC.
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Em Glasgow os países relatarão que progressos têm feito, caso existam, para reduzir as emissões, devendo ser estabelecidas regras para uma avaliação quantitativa, comparável e transparente dos progressos, bem como revelarão as suas metas climáticas atualizadas e como pretendem fazê-las cumprir até 2030

Por ZERO – Organização não governamental (ONG) *

Esta conferência – em que a ZERO estará ativamente envolvida no local – começa num contexto alarmante. De acordo com o último relatório da ONU sobre o progresso esperado em termos de redução de emissões de gases com efeito de estufa (GEE), as metas climáticas que as 197 Partes anunciaram até ao momento colocam o planeta no caminho para um aumento da temperatura global de 2,7°C até o final do século. Isto está catastroficamente acima da meta do Acordo de Paris em conter o aquecimento global em 1,5°C, demonstrando que as promessas e medidas governamentais anunciadas estão muito aquém do que é necessário, resultando em ações ainda menos ambiciosas para as fazer cumprir.

O relatório mostra que, para que o planeta fique abaixo de 1,5°C, é preciso reduzir as emissões para metade até 2030, ou seja, 50% em cerca de oito anos. Recorde-se que as emissões globais, de acordo com o último relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), publicado em agosto, não deverão diminuir até 2030 caso os governos não aumentem o seu nível de ambição. Entretanto, novas metas anunciadas depois de agosto levam a crer que as emissões poderão baixar 7,5% até 2030 se as promessas forem cumpridas (a ZERO sublinha o se), o que é uma redução sete vezes menor do que a necessária.

O relatório da ONU refere ainda que as promessas de neutralidade climática até meio do século que os países têm vindo a fazer poderão limitar o aquecimento a 2,2 °C se forem realmente cumpridas e implementadas de forma eficaz e atempada, mas muitos dos planos anunciados pelos países não prevêem ações concretas antes de 2030, altura em que já será demasiado tarde para os esforços de mitigação alcançarem os resultados necessários. O relatório aponta que uma redução nas emissões de metano, que ocorrem no sector do gás natural, nos resíduos e na agricultura, pode ser determinante para reduzir o aquecimento no curto prazo. Por outro lado, os mercados de carbono, que colocam um preço nas emissões, também podem ajudar no esforço, mas para isso é preciso ambição e uma definição clara de regras, nomeadamente que assegurem uma monitorização transparente das reais emissões e reais progressos.

O que está em causa na COP26?

Não visa obter um novo acordo internacional – esse aconteceu em Paris em 2015, quando as Nações concordaram limitar o aquecimento até ao final do século entre 1,5 e 2°C acima dos níveis pré-industriais. Em vez disso, em Glasgow os países relatarão que progressos têm feito, caso existam, para reduzir as emissões, devendo ser estabelecidas regras para uma avaliação quantitativa, comparável e transparente dos progressos, bem como revelarão as suas metas climáticas atualizadas e como pretendem fazê-las cumprir até 2030.

Deverá concretizar um consenso político abrangente para, de uma forma justa e global, limitar o aquecimento global a 1,5°C. Este entendimento é fulcral, pois o mundo atualmente está completamente fora desse caminho.

Será ainda decisiva do ponto de vista do financiamento para pagar os esforços de mitigação de emissões e adaptação às alterações climáticas dos países, nomeadamente no que respeita aos mecanismos (empréstimos ou apoios diretos) e ao montante envolvido, pois os países com responsabilidades históricas nas emissões devem compensar os países mais afetados pelas alterações climáticas, normalmente países pobres. Isto não tem acontecido: a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) estima que, apesar de o financiamento climático ter crescido em 2019 (o último ano com dados), os países desenvolvidos ainda estão aquém 20% de cumprir a meta de mobilização de 100 mil milhões de dólares (cerca de 87 mil milhões de euros) por ano.

Deverá ainda encontrar-se uma forma de os países vulneráveis serem indemnizados pelos danos e perdas já sofridos nos seus territórios decorrentes de fenómenos extremos, os quais cada vez mais têm como causa o aquecimento global.

A COP de Glasgow é, portanto, determinante para estabelecer ações concretas, nomeadamente de curto e médio prazo, que permitam alcançar os objetivos a que se propõem. Esta década é a mais decisiva do ponto de vista de conter o aumento de temperatura até ao final do século e Glasgow tem de responder à urgência de agir, pela qual os recentes relatórios do IPCC e ONU pugnam.

Um bom resultado na COP26 dependerá da capacidade de os países alcançarem um acordo que garanta resultados em três eixos: maior ambição, mais financiamento climático, mais justiça.

ZERO considera que a cimeira só terá sucesso se garantidos os seguintes compromissos:

Aumento ambicioso e detalhado das metas até 2030

Para reduzir as emissões de GEE para cerca de metade até 2030, numa trajetória para atingir zero emissões líquidas até 2050, os países têm de reconhecer finalmente que a única forma séria e realista de atingir o objetivo é através de uma redução das emissões que elimine totalmente os combustíveis fósseis de uma forma rápida, protegendo simultaneamente a biodiversidade e a integridade dos ecossistemas.

Por isso, é imperativo aumentar a ambição através das contribuições nacionais determinadas (CND), ou seja, os esforços a que voluntariamente os países se propõem, devendo os países – especialmente os do G20 – comprometerem-se com metas vinculativas e detalhadas em todos os prazos, sobretudo até 2030.

É ainda importante chegar a um consenso sobre um período de tempo comum único, desejavelmente de cinco em cinco anos, para a implementação das CND e avaliação dos progressos. Este período de aplicação quinquenal permite que as partes adaptem e ajustem a sua ação climática interna ao ritmo dos ciclos de cinco anos do Acordo de Paris.

Justiça no combate às alterações climáticas: é preciso que os países desenvolvidos paguem a mitigação e adaptação dos países menos desenvolvidos

Para que a COP26 tenha sucesso e comece com o pé direito, a ZERO considera que os líderes dos países desenvolvidos devem comprometer-se com mais e novos financiamentos no domínio para apoiar os países em desenvolvimento no combate às alterações climáticas, trabalhando em conjunto num plano de execução sólido e transparente que demonstre que esse financiamento vai ser inteiramente executado, ao contrário do que tem acontecido até agora. De facto, existem lacunas significativas a serem ultrapassadas no capítulo do financiamento climático, nomeadamente no cumprimento do compromisso dos referidos 100 mil milhões de dólares anuais.

É imperativo que a COP26 marque uma mudança definitiva na cooperação e financiamento para uma lógica de solidariedade baseada na justiça, em particular para as populações mais vulneráveis. É necessário assumir novos compromissos, garantindo um montante global coletivo de, pelo menos, 600 mil milhões de dólares para o período 2020-2025. É ainda importante garantir um equilíbrio justo entre o financiamento dedicado à adaptação e à mitigação, com pelo menos 50 mil milhões de dólares (43.5 mil milhões de euros) anuais destinados à adaptação.

Indemnização urgente por perdas e danos já incorridos nos territórios dos países vulneráveis

Por outro lado, é necessário introduzir compensações por perdas e danos. Em muitos lugares do mundo, os esforços de adaptação e mitigação já não são suficientes: os impactos das alterações climáticas são já uma realidade, sendo os países e populações mais pobres e vulneráveis os que mais sofrem as suas consequências, nomeadamente furacões, inundações, fogos, secas ou mesmo a elevação do nível médio do mar e consequente erosão da linha costeira. Na última década, os desastres relacionados com o clima em todo o mundo mataram mais de 410.000 pessoas e afetaram outras 1,7 mil milhões de pessoas. Em 2020, havia 30 milhões de deslocados devido a eventos relacionados com o clima. No futuro, até 2030, estima-se que as perdas e danos causados pelas alterações climáticas tenham um custo económico entre 290 e 580 mil milhões de dólares só nos países em desenvolvimento.

Para responder a isto, a COP26 deverá estabelecer um mecanismo que permita identificar qual o financiamento necessário e a melhor forma de o concretizar para compensar estes prejuízos, e assumir um compromisso concreto para o seu financiamento, adequado às necessidades reais e baseado nos princípios da equidade e solidariedade global.

Líderes mundiais ambiciosos e sérios precisam-se

Os líderes mundiais em Glasgow enfrentam uma tarefa difícil, mas, ao mesmo tempo, clara: chegar a acordo sobre um pacote abrangente de medidas concretas que façam acelerar a implementação do Acordo de Paris e respondam às necessidades dos habitantes mais vulneráveis do planeta e mais expostos à crise climática. A ZERO ressalva: essas medidas têm de ser concretas, especificando claramente as ações que tomarão até 2030. Se não forem tomadas medidas já, amanhã é tarde. E 2030 é amanhã. Que líderes se chegarão à frente e darão o exemplo?

* A participação da ZERO na COP26 será assegurada entre os dias 5 e 14 de novembro por Ana Campos, Francisco Ferreira e Pedro Nunes. Artigo publicado em zero.ong.

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