
Celebrar o Dia Internacional da Biodiversidade (22 de maio) é, mais do que nunca, lembrar que vivemos uma crise silenciosa. A perda da biodiversidade continua a acelerar, apesar de décadas de alertas e compromissos internacionais. Entre as vítimas mais visíveis deste declínio estão as aves: espécies que antes enchiam os campos de canto e cor, hoje rareiam ou desapareceram por completo em muitas regiões de Portugal e da Europa. As aves são, por excelência, bioindicadores da saúde dos ecossistemas – e o que nos dizem é preocupante.
Por Rui Borralho *
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Na SPEA, trabalhamos há mais de 30 anos para travar esta tendência. Mas sabemos que não basta fazer diagnósticos ou pedir ação. É tempo de agir com as mãos na terra. A conservação não pode ficar apenas nas mãos das instituições públicas ou das grandes organizações: tem de ser também da sociedade civil. De todos nós.
Foi com este espírito que lançámos, em novembro de 2024, a Rede Nacional de Santuários para Aves – uma iniciativa que apela diretamente à cidadania ativa pela biodiversidade. Convidámos os cidadãos a disponibilizarem terrenos onde possamos criar refúgios seguros para aves comuns (e não só) em declínio, como o picanço-barreteiro, a andorinha-das-chaminés ou o cuco-canoro. A resposta superou todas as expectativas: em apenas cinco meses, recebemos mais de 90 candidaturas e angariámos mais de 135.000 euros. Graças a este apoio, na primavera de 2025 iniciámos os trabalhos de campo em 46 propriedades – onde já estão a ser realizados censos de aves diurnas e noturnas e onde, a partir deste verão, vamos implementar medidas concretas de gestão da biodiversidade, em parceria com os proprietários.
Esta rede de santuários é uma oportunidade única para criar uma nova cultura de conservação em Portugal: mais próxima das pessoas, mais prática, mais eficaz. Uma conservação feita pelas próprias mãos.
Mas nem todos os problemas se resolvem a médio prazo. Alguns exigem ação imediata. É o caso do tartaranhão-caçador (Circus pygargus), uma ave de rapina de hábitos discretos que nidifica no solo, frequentemente em campos cerealíferos. Com a intensificação agrícola e o abandono progressivo das culturas arvenses extensivas, esta espécie viu a sua população nacional cair de cerca de 1.500 casais reprodutores nos anos 1990 para apenas 120–180 atualmente. Muitas das crias morrem trituradas pelas máquinas durante as colheitas de feno e cereal que ocorre antes do seu total desenvolvimento.
Através do projeto LIFE SOS Pygargus, estamos a trabalhar em soluções de longo prazo, com diversos parceiros. Mas para evitar perdas irreversíveis, lançámos em 2025 o Fundo de Emergência de Conservação do Tartaranhão-caçador, com o objetivo de garantir compensações justas aos agricultores que protegem os ninhos nas suas terras. A medida agroambiental do PEPAC em vigor é manifestamente insuficiente, dado que o financiamento que pode proporcionar aos agricultores que não cortem o cereal num hectare em redor de cada ninho (250€/ninho) é significativamente inferior ao valor que o agricultor receberá se cortar o feno ou debulhar o cereal (usualmente entre 500 a 700€/ha), sendo necessário incrementar os fundos disponíveis aos agricultores para que possam proteger os ninhos desta espécie tão ameaçada sem reduzirem o rendimento das suas famílias. Com este fundo, queremos complementar essa verba e assegurar proteção a todos os ninhos localizados em áreas agrícolas. O nosso objetivo é angariar entre 40.000 e 50.000 euros – um investimento modesto face ao impacto que pode ter.
O futuro da biodiversidade não se constrói apenas com regulamentos e estratégias – por muito importantes que estes sejam – constrói-se também no terreno, com ações concretas e com o envolvimento direto de quem vive, trabalha ou simplesmente se preocupa com a natureza. Ao criarmos uma rede de santuários e ao mobilizarmos apoios para proteger o tartaranhão-caçador, estamos a demonstrar que é possível mudar o rumo. Que há vontade, há soluções e há resultados. Falta agora multiplicar este exemplo.
Neste Dia Internacional da Biodiversidade, o convite que fazemos é simples: juntem-se a nós. Disponibilizem terrenos, façam donativos, sejam voluntários, ajudem a divulgar. Mais do que nunca, precisamos de uma sociedade civil ativa, vigilante e interveniente. Porque conservar é um verbo que também se conjuga na primeira pessoa.
* Diretor Executivo da SPEA. Artigo publicado originalmente no site Ambienteonline.
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