
Num momento em que Portugal prepara investimentos ferroviários de larga escala, é legítimo perguntar se estamos a tomar as decisões certas — não apenas com base em slogans sobre “interoperabilidade” ou “modernidade europeia”, mas na análise concreta do que serve melhor o País, os seus exportadores e os seus passageiros. Analisemos aqui a perspetiva das mercadorias.
Por Vitor Caldeirinha *
A discussão sobre a adoção imediata da bitola europeia (1435 mm) nas novas linhas ferroviárias tem sido alimentada por argumentos aparentemente irrefutáveis.
Mas uma análise profunda revela outra realidade: Portugal não pode fazer já o salto para uma rede em bitola europeia isolada. Mas construir primeiro as novas linhas em bitola ibérica (1668 mm) interoperáveis na nossa rede e nas nossas ligações internacionais, preparadas tecnicamente para uma futura conversão, como está a fazer em grande medida a Espanha e como está curso em Portugal.
A Espanha decidiu implementar a bitola europeia na construção do projeto de alta velocidade (passageiros), com duas exceções: a ligação à Galiza (Vigo, Santiago e Corunha) e a ligação a Badajoz/Caia.
No que respeita à rede convencional de mercadorias e passageiros, apenas existe a ligação fronteiriça com França e o Porto de Barcelona, com uma expectativa de vir a ligar também ao Porto de Valência.
Um projeto emblemático sobre o modelo espanhol de introdução da bitola europeia é o chamado Y Basco, de ligação entre Bilbao, San Sebastian, Vitória e a fronteira com França. Este projeto, que está em construção, consiste na criação de um ponto de transferência de cargas e modos de transporte para formação de comboios de mercadorias em bitola europeia e direcionado para a Europa Central. O resto da Península Ibérica será utilizador deste complexo de acordo com a estratégia espanhola.
Transporte público
Um mito a desmontar é o da “interoperabilidade com a Europa”. Sim, é verdade que a rede europeia é maioritariamente em bitola europeia. Mas também é verdade que Espanha continua a ter a maioria da sua rede em bitola ibérica e a construir em larga escala em bitola ibérica — com ou sem carris adicionais — e que França é atualmente o verdadeiro bloqueio estrutural ao transporte ferroviário ibérico de mercadorias para o centro da Europa.
Não existem corredores logísticos estáveis entre Portugal/Espanha e França para mercadorias ferroviárias; pelo contrário, comboios como o da Autoeuropa foram descontinuados por falta de viabilidade e capacidade da rede francesa, mesmo usando bitola europeia a partir da fronteira espanhola. E a maioria da carga é movimentada com Espanha, sem descurar o importante movimento por camião e navio com a Europa.
A interoperabilidade não se garante com obras caras em Portugal — mas com soluções concertadas e sincronizadas entre os três países e com financiamento europeu assegurado.
Do ponto de vista da autonomia estratégica nas ligações com a Europa Central, seria interessante Portugal dispor de uma ligação na nossa fronteira em bitola europeia. Com isso poderíamos desenvolver um plano de criação de um ou mais centros logísticos para formação de comboios. Em todo o caso, os operadores logísticos não priorizam esta questão, sendo mais estratégico que estes pontos de transferência de carga se encontrem mais perto da fronteira das bitolas.
Armazenamento de produtos perigosos
O que interessa é a logística e não a bitola. O transporte ferroviário para longas distâncias (i.e. de Portugal para a Europa Central) envolve vários movimentos de formação de cargas tendo em consideração as Origens/Destinos. Portanto, não há material circulante suficiente (vagões) de mercadorias que se adaptem às duas bitolas, existem é pontos de transferência de cargas estabelecidos estrategicamente.
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