A “mobilidade sustentável” no PRR

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Baixo Vouga Lagunar (foto de António Garcia).

É verdadeiramente sintomático que o documento do Plano contenha apenas uma única referência à palavra “ bicicleta ” e o termo “ ciclável ” seja referido a propósito do plano Portugal Ciclável que, apesar de ter sido aprovado em 2018, não se encontra ainda implementado.

Por Ciclaveiro *

A Ciclaveiro é uma associação constituída por um grupo de cidadãos com o fim estatutário de promover, incentivar e estimular a utilização da bicicleta como meio de transporte e de outros modos de transporte ativos e sustentáveis, divulgar a cultura associada a este tipo de mobilidade e contribuir para a melhoria das condições que facilitem e propiciem a sua prática, assentando no reconhecimento dos benefícios ambientais, sociais e económicos que decorrem da adoção alargada destes modos de mobilidade face aos meios motorizados particulares.

Desde o seu início, a Ciclaveiro tem tido uma abordagem de aproximação à comunidade, através de projetos colaborativos, envolvendo cidadãos, instituições, associações e empresas, para a construção de uma mudança de hábitos de mobilidade, promovendo a construção de uma identidade coletiva mais coesa e sustentável e contribuindo para a construção de um sentido de pertença de novo pela bicicleta na região de Aveiro.

A Ciclaveiro tenta também colaborar com as autoridades locais no sentido de as sensibilizar para a importância da mobilidade em bicicleta e tem vindo a propor medidas que contribuam para melhorar as condições para uma mais apelativa, confortável, segura e comum utilização da bicicleta na região.

Ainda que o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) se centre em investimentos de âmbito nacional, entendemos que as mudanças estruturais se fazem ouvindo as comunidades locais, descentralizando recursos e a operacionalizando as medidas no terreno. Nesse sentido, este PRR segue o rumo inverso ao centralizar os investimentos sem envolver o poder local, a sociedade civil, as associações cívicas, as empresas e as organizações sociais, em particular na designada “mobilidade sustentável”, na dimensão da transição climática.

O âmbito de abrangência da referida “mobilidade sustentável” neste PRR é demasiado restrito por a considerar só na vertente do transporte público, sem considerar os modos suaves de deslocação, como andar a pé ou de bicicleta , sem priorizar a mobilidade escolar e sem colocar na equação da transição climática a indispensável redução da utilização do automóvel privado .

É verdadeiramente sintomático que o documento do Plano contenha apenas uma única referência à palavra “ bicicleta ” e o termo “ ciclável ” seja referido a propósito do plano Portugal Ciclável que, apesar de ter sido aprovado em 2018, não se encontra ainda implementado.

Já as palavras “ andar ” e “ pedonal ” não são sequer mencionadas. Em contrapartida, a palavra “ automóvel(eis) ” aparece 6 vezes e a palavra “ rodoviário(s) ”, “ rodoviária(s) ” é utilizada 25 vezes e associada a diversas áreas de investimento.

Tais omissões comprometem irremediavelmente os compromissos internacionais e nacionais que o Estado Português assumiu neste domínio, como sejam o Acordo de Paris sobre as alterações climáticas, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas, a Estratégia Nacional para a Mobilidade Ativa Ciclável (EMNAC 2020-2030) e a Estratégia Portugal 2030.

Por essa razão, elaboramos o presente documento que pretende ser um contributo, dado a partir duma perspetiva local e de proximidade com a comunidade, que quer construir uma cidade mais saudável, mais resiliente, impulsionando o seu comércio local e contribuindo para a redução da poluição atmosférica e do ruído, fazendo parte, a final, da estratégia nacional para a transição climática.

O investimento sério, estrutural e integrado nos modos ativos de mobilidade, com especial enfoque na utilização da bicicleta como meio de transporte urbano, revolucionará a organização das nossas cidades, equilibrará de forma mais justa e inclusiva o uso do espaço público, devolvendo-o às pessoas e aproximando-as do seu comércio e dos seus serviços, reforçando os laços comunitários e o sentido de solidariedade e entreajuda essenciais para a recuperação económica e social do país.

Acresce que a aposta sustentada na mobilidade ciclável e a adoção de medidas desincentivadoras do uso do automóvel particular conseguirá uma redução significativa de custos económicos com importações, infraestruturas rodoviárias, congestionamentos, sinistralidade rodoviária e sistema público de saúde, de custos ambientais com redução de consumo de combustíveis fósseis, emissões de gases poluentes e de poluição sonora, e de custos sociais com aumento de qualidade de vida, reforço de laços comunitários, redistribuição do uso do espaço público, reabilitação das cidades e cidadãos mais solidários e resilientes.

* Continuar a ler parecer da Ciclaveiro sobre o PRR.

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