
Impressiona que a agenda pública ainda se debruce sobre os potenciais benefícios da aplicação de um travão às rendas. Isso porque, mais do que qualquer outro, talvez este seja um daqueles temas que basta vir a debate para provocar logo todos os danos que os proponentes pretenderão, certamente, evitar. Digo talvez, apesar de os dados parecerem dar sinais claros. Mesmo quando, como é o caso, mostram uma tendência de travagem, a tal dinâmica coletivamente almejada. Em concreto e em especial em Lisboa.
Por Ricardo Guimarães *
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De facto, as estatísticas mostram que na capital, apesar de evidentemente altas, as rendas habitacionais têm estado travadas. A partir do SIR-Arrendamento, a Confidencial Imobiliário produz um Índice de Rendas Residenciais que monitoriza a evolução das rendas dos novos contratos de arrendamento celebrados em Lisboa. Ora, tal índice mostra uma estagnação das rendas desde o 2º trimestre de 2023, apresentando mesmo uma tendência recente de descida, acumulando até ao 1º trimestre de 2025 uma variação nominal de -3,1%, um comportamento traduzido num benefício para as famílias que enfrentam condições de acesso adversas. Diria mesmo, inquestionavelmente adversas pois, apesar dessa quebra, a renda/m2 média na cidade de Lisboa para um apartamento T2 situou-se em 18 euros, ou seja, 1.800 euros para um imóvel de 100 m2.
Os dados acima mostram duas realidades de sinal contrário. Por um lado, o registo de um elevado nível de preços (rendas), coincidente com o sentimento geral de crise. Por outro, uma descida das rendas, algo aparentemente contraintuitivo num momento em que o debate se centra na necessidade de travar o mercado.
Quanto ao nível de rendas, é possível verificar que ao longo dos últimos 15 anos a sua evolução tem sido praticamente inversa à evolução do número de fogos disponíveis no mercado, ou seja, à oferta.
No período da crise financeira, o SIR mostra que o arrendamento teve um forte aumento de oferta, atraindo os proprietários que não desejavam vender em baixa os seus imóveis. Apesar do movimento da oferta ter sido acompanhado pela procura (que não tinha acesso a crédito), nesse período as rendas de Lisboa desceram em 19%. Após essa fase, em especial a partir de 2015, o movimento inverteu-se. Por um lado, a instabilidade legislativa observada no arrendamento e, por outro, o surgimento de alternativas de usos levaram a que houvesse uma descida de 50% na oferta, uma compressão que se manteve até à pandemia. A quebra na oferta fez com que entre os finais de 2015 e 2019 as rendas tenham subido 54%, superando pela primeira vez os 13,5 euros/m2. Ora, uma vez mais, chegada a pandemia, a oferta voltou a subir significativamente (50% face ao final de 2019). E, uma vez mais também, no pico da oferta, no 2º trimestre de 2021, as rendas observavam uma queda de 20%. Vencida a pandemia, mas chegada a inflação, em setembro de 2022 o mercado foi intervencionado, anunciando-se um travão às rendas dos contratos vigentes. As consequências foram a contração em 20% da oferta e o aumento anual das respetivas rendas nuns inéditos 29%. Tão inéditos que Lisboa atingiu uma renda média de 19 euros/m2 , um patamar absolutamente descolado da realidade social.
Assim, entre a crise financeira e o travão de 2023, o volume de oferta e o índice de rendas exibem uma correlação linear de -72%, mostrando claramente a relação inversa entre ambos.
Desde então, atraída pelo elevado nível de rendas, a oferta aumentou em 90%. No entanto, os números mostram uma nova realidade. Mostram que, pela primeira vez, o aumento expressivo da oferta não se traduziu numa descida significativa das rendas, sendo 3,1% um ajuste relativamente limitado. E, aqui sim, vê-se o efeito do travão e respetivo debate, aos quais os inquilinos podem agradecer o facto de os proprietários não estarem disponíveis para reduzir rendas pois, para estes, o risco de travagens futuras indisponibiliza-os para as descidas, com receio destas se tornarem irreversíveis.
E é neste equilíbrio que o mercado segue. Sempre em prejuízo dos inquilinos, progressivamente prejudicados pelas regras que supostamente os protegeriam.
Eu também sou a favor do travão às rendas. Mas pela promoção da oferta, num clima de estímulo da confiança do mercado e do investimento.
* Diretor da Confidencial Imobiliário.
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