
Uma road trip pela Europa de Leste revela não só um dinamismo turístico surpreendente, mas também lições cruciais em infraestrutura e digitalização. O conforto do nosso sol não pode ser a sombra onde nos escondemos da inovação e do investimento estratégico.
Por Rui Terroso *
O avião aterra em Portugal. O calor familiar e o sol garantido acolhem-me de volta. No regresso de uma extensa road trip pelos Balcãs – Sérvia, Croácia, Eslovénia, Bósnia, Montenegro, Albânia, Macedónia, Kosovo, Bulgária – trago na bagagem não apenas recordações, mas uma profunda e urgente reflexão sobre o lugar de Portugal no mapa turístico europeu. O que testemunhei foi uma região a reinventar-se com uma energia feroz, a superar um passado complexo e a apresentar-se ao mundo com autoestradas impecáveis, uma segurança notável e uma eficiência digital que, em áreas críticas, nos coloca a todos em alerta máximo.
A comparação entre o nosso turismo maduro e o deles, em ebulição, já não é sobre quem tem mais sol. É sobre quem está a construir melhor o futuro. E a grande lição é que eles estão a fazê-lo com um investimento inteligente em infraestruturas físicas e digitais que está a colocar os padrões de conforto e conveniência extraordinariamente altos.
Para além das expectativas: estradas, segurança e eficiência
A primeira e mais chocante surpresa foi a qualidade da rede rodoviária. Autoestradas modernas, bem sinalizadas e sem excesso de tráfego ligam os países de forma eficiente.
A Eslovénia, apelidada com mérito de “a Suíça dos Balcãs”, é um caso de estudo: as suas cidades são encantadoras, com vias pedonais, ciclovias extensas e uma sinalética tão bem desenvolvida nas aldeias do interior como nos centros urbanos.
Mas a maior revelação foi a sensação de segurança absoluta. Percorri milhares de quilómetros, parei em vilas remotas e grandes cidades, e em nenhum momento – repito, nenhum – senti qualquer insegurança ou presenciei qualquer indício de corrupção ou má-fé. Pelo contrário. O profissionalismo nas fronteiras foi exemplar – rápido, digitalizado e eficiente -, uma imagem que destrói por completo preconceitos enraizados. A Sérvia, um país que há meras duas décadas era notícia pelos piores motivos, apresenta hoje um nível de desenvolvimento onde as diferenças para Portugal são mínimas. A reconstrução é um testemunho do que é possível alcançar com visão e investimento.
A vantagem digital: a lição que não podemos ignorar
É neste palco de modernidade que a revolução digital ganha outra dimensão. A omnipresença dos pagamentos digitais é a norma. De uma esplanada remota em Montenegro a uma casa de banho pública na Sérvia, tudo é fluido. Sim, leu bem: numa casa de banho pública, o acesso é feito através do pagamento digital ou com cartão, numa máquina automática que emite um QR Code, lido num torniquete de acesso. É um modelo de eficiência, higiene e modernidade que poupa recursos e melhora a experiência.
Este contraste torna o nosso atraso ainda mais gritante. O que adianta servirmos a melhor gastronomia do mundo se falhamos no momento final do serviço? Quantos de nós não nos deparámos com o aviso desolador “Multibanco Fora de Serviço” em restaurantes, mesmo em grandes cidades? No interior, a situação é ainda mais dramática. Esta realidade provoca raiva e frustração. Estraga uma refeição memorável e mancha a perceção de todo o destino. Enquanto nações que renasceram das cinzas operam com a ligeireza do digital, nós, por vezes, ainda amarramos o turista à logística obsoleta de levantar dinheiro.
Chipre: o case study que devemos copiar
A minha inquietação com este gap digital foi amplificada por uma experiência no Chipre. Em qualquer praia, um sistema de gestão de espreguiçadeiras notavelmente eficiente resolve uma dor de cabeça universal.
Um gestor, com um smartphone e uma pequena impressora de cinto, cobra digitalmente 2,5€ por item através de NFC e imprime um recibo. É transparente, justo e incrivelmente conveniente.
Porque não vemos isto em Portugal? Porque é que a gestão dos nossos maiores ativos não segue um modelo integrado e digital? É uma oportunidade de melhoria tangível que grita por ser implementada.
Desafios e oportunidades
O alerta soa alto: não podemos ser complacentes. O desenvolvimento dos Balcãs é um espelho que nos mostra o valor do investimento estratégico em infraestruturas de qualidade e na digitalização total da experiência do cliente.
O caminho para Portugal é claro:
– Investir na experiência total: é necessária a modernização das infraestruturas de pagamentos em toda a cadeia de valor do turismo. É uma missão nacional.
– Adotar modelos de sucesso: as autarquias devem procurar implementar sistemas digitais centralizados para a gestão de serviços públicos turísticos, copiando exemplos de sucesso.
– Promover a formação: criar programas de formação em digital skills e incentivos para a aquisição de terminais de pagamento simples e acessíveis.
Não é uma ameaça, é um wake-up call
Temos a vantagem de ser um destino maduro, seguro e desejado. Mas não podemos ser complacentes. O futuro do turismo português não se joga apenas na qualidade da nossa gastronomia ou no calor do nosso povo – isso já conquistámos.
Joga-se na nossa capacidade de nos tornarmos um destino fluido, inteligente e digitalmente perfeito. É hora de levantar a âncora do passado e navegar, definitivamente, para águas digitais. O nosso turista e a nossa economia, agradecem.
* CEO e fundador da Living Tours. Artigo publicado originalmente no site Publituris.pt.
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