
Portugal sempre foi um país de brandos costumes e coração aberto. Não deixemos que o medo e a demagogia política nos façam esquecer quem somos. A imigração não é uma ameaça – é uma oportunidade, e, mais cedo ou mais tarde, todos perceberão isso.
Por Rui Terroso *
Vivemos tempos difíceis em relação à imigração. Um clima de desconfiança e, em muitos casos, de claro preconceito contra quem chega a Portugal à procura de melhores condições de vida. Este fenómeno não é exclusivo do nosso país – começou a ganhar força global com a eleição de Donald Trump nos EUA (ele próprio neto de imigrantes e casado com uma imigrante – um contrassenso injustificável), espalhando-se pela Europa e chegando a Portugal através do crescimento da extrema-direita e do populismo nacionalista.07
A hipocrisia do “Nós podemos, eles não podem”
Portugal tem cerca de 2,1 milhões de emigrantes espalhados pelo mundo, segundo a ONU, 20% da população portuguesa, mas se forem contabilizados os luso descendentes serão cerca de 5 milhões. Portugal é, assim, o país da Europa e o 8.º em todo o mundo com mais emigração. Todos nós temos familiares, amigos ou conhecidos que saíram do país à procura de novas oportunidades e uma melhor qualidade de vida. Ninguém os critica; pelo contrário, celebram-se as remessas que enviam e o sucesso que alcançaram no exterior.
Mas quando são outros a vir para Portugal à procura exatamente do mesmo – trabalho, dignidade, futuro –, muitos reagem com desconfiança. Argumenta-se que “vêm tirar empregos aos portugueses”, mas o verdadeiro preconceito está muitas vezes ligado a diferenças religiosas, vestuário ou tom de pele.
Na semana passada, em Copenhaga, conversei com o rececionista do meu hotel, um português que partilhou comigo como a comunidade lusa na Dinamarca é numerosa, respeitada e bem integrada. Lá, ninguém os vê como uma ameaça ou invasores; são simplesmente pessoas que procuram uma vida melhor, trabalham, contribuem e fazem parte da sociedade. Por que razão, então, tantos portugueses têm dificuldade em reconhecer que os imigrantes que chegam ao nosso país procuram exatamente o mesmo? Aquilo que valorizamos nos nossos emigrantes, como o esforço, a coragem e a capacidade de adaptação, é frequentemente ignorado quando são outros a bater à nossa porta, como se o direito a sonhar com um futuro digno fosse exclusivo dos que partem, e não dos que chegam.
A realidade dos imigrantes em Portugal: trabalho, dignidade e contribuição
No Grupo Living Tours, trabalhamos com pessoas de várias nacionalidades, em diferentes áreas, e a verdade é esta: são trabalhadores dedicados, comprometidos e resilientes. Não conheço um único caso de alguém que queira “abusar” do sistema. Pelo contrário: vejo pessoas que procuram aprender, crescer e contribuir.
Em 2008, em plena crise da Troika, Portugal estava longe de ser um destino atrativo para imigrantes. O país enfrentava uma profunda recessão económica e o grande drama nacional era a saída em massa de jovens qualificados que não viam um futuro dentro de portas. Hoje, o cenário mudou: Portugal cresceu e muito desse crescimento deve-se à mão de obra imigrante. Sem ela, não teríamos conseguido sustentar setores essenciais como o turismo, a construção ou os serviços.
Além disso, a imigração equilibrou as contas da Segurança Social e mitigou o envelhecimento populacional. A Europa e Portugal estão em declínio demográfico e, sem imigrantes, não há solução a curto prazo para sustentar a economia e os sistemas de pensões.
O mundo é global: a única raça é a humana
Países desenvolvidos como os EUA, Canadá, Alemanha, Emirados Árabes e até a China dependem de imigrantes. O mundo já é uma mistura de culturas, e no futuro será ainda mais diverso. A única raça que existe é a humana, e a única forma de progredirmos é aprender a conviver sem preconceitos. Claro que a imigração deve ser organizada e regulada, mas o discurso do medo e da exclusão não resolve nada. Se queremos que os nossos emigrantes sejam bem recebidos lá fora, temos o dever de acolher da mesma forma quem vem para cá.
Portugal sempre foi um país de brandos costumes e coração aberto. Não deixemos que o medo e a demagogia política nos façam esquecer quem somos. A imigração não é uma ameaça – é uma oportunidade, e, mais cedo ou mais tarde, todos perceberão isso.
* CEO e fundador da Living Tours. Artigo publicado originalmente no site Publituris.pt.
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