Cuidados paliativos.

Os Cuidados Paliativos (CP) são uma área essencial da medicina contemporânea, centrada na promoção da qualidade de vida de pessoas que vivem com doenças graves, incuráveis e progressivas, bem como das suas famílias e pessoas significativas. Longe de se restringirem ao momento final da vida, os CP devem estar presentes sempre que existe sofrimento físico, emocional, social ou espiritual que exige intervenção qualificada.

Por Ricardo Fernandes *

Desde as suas origens, nasceram de um olhar profundamente humano para o sofrimento, reconhecendo que tratar uma doença não se limita a combater os seus mecanismos biológicos, mas implica atender ao impacto que ela tem na pessoa e na sua rede familiar. Durante décadas, a sua prática foi marcada pela compaixão, pela escuta ativa e pelo respeito pela dignidade, valores que permanecem como alicerce. Os CP não surgiram para substituir a medicina curativa, mas para complementá-la, oferecendo um cuidado integral que acompanha cada fase da trajetória da doença.

A evolução demográfica e epidemiológica reforçou a urgência de expandir estes cuidados. Vivemos mais anos, mas com o peso da morbilidade das doenças crónicas, muitas vezes prolongando dependência física e cognitiva. Se no passado os CP estavam associados sobretudo ao cancro e aos momentos finais, hoje revelam um campo muito mais vasto. Pessoas com insuficiência cardíaca, respiratória, renal ou doenças neurodegenerativas beneficiam amplamente de uma intervenção que não só alivia sintomas, mas também apoia famílias, orienta decisões complexas e cria espaço para que cada vida seja vivida com sentido e dignidade.

Persistem, contudo, mitos que importa desconstruir. Não é verdade que os CP sejam apenas para pessoas em fim de vida; devem ser iniciados precocemente, sempre que há sofrimento que exige intervenção por equipas treinadas. Não são apenas para doentes com cancro, mas para qualquer doença grave. E a morfina, longe de ser sinal de fim de vida, é um medicamento seguro e eficaz no controlo da dor e da falta de ar, devolvendo qualidade e conforto ao quotidiano. Diluir estes equívocos é essencial para que a referenciação seja atempada e as pessoas não sejam privadas de cuidados que constituem um direito.

O futuro dos CP não pode desligar-se da sua história, mas precisa de se reinventar. A revolução tecnológica abre possibilidades antes impensáveis: a telemedicina aproxima equipas e doentes, as aplicações e dispositivos de monitorização permitem identificar precocemente agravamentos clínicos e as plataformas digitais reforçam a comunicação entre profissionais e famílias. Estes recursos não substituem a dimensão humana do cuidado, mas ampliam a sua eficácia e acessibilidade.

Mais do que nunca, os CP exigem políticas de saúde que os reconheçam como um direito universal e assegurem equipas multidisciplinares com recursos, formação e estrutura adequados. Requerem também formação contínua para profissionais de saúde e investimento em literacia, para que a população compreenda que os CP não significam desistência ou abandono, mas sim cuidar ativamente da vida, singular e irrepetível.

Se o passado nos ensinou que a dignidade é um valor inegociável, o futuro desafia-nos a protegê-la num mundo onde envelhecimento, doenças crónicas e inovação tecnológica caminham lado a lado. Os Cuidados Paliativos são, e continuarão a ser, um espaço de encontro entre ciência e humanidade, tradição e inovação, compaixão e eficácia. Representam a certeza de que, em qualquer tempo, cada pessoa merece dignidade, presença e cuidado qualificado — não apenas para morrer melhor, mas sobretudo para viver plenamente até ao fim.

* Coordenador do Núcleo de Estudos de Medicina Paliativa da SPMI. A propósito do Dia Mundial dos Cuidados Paliativos – 11 de outubro.

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