Foto divulgada pela Associação Ruralidades e Memórias.

Num país tão pequeno e tão bem servido de vias de comunicação, com uma rede bem distribuída de instituições de ensino superior agrário e escolas profissionais agrícolas, um número elevado de municípios e associações de desenvolvimento local, três confederações nacionais de agricultura e muitas estruturas associativas empresariais, com benefícios significativos oriundos dos fundos europeus, é deveras surpreendente que se fale de abandono, desertificação e despovoamento, ou seja, de baixa densidade e rural remoto e profundo.

Por António Covas *

Essa constatação é, antes de mais, o retrato fidedigno de muitos erros acumulados ao longo das últimas décadas, aos quais devemos acrescentar o esquecimento de territórios com uma representação política cada vez mais reduzida, e, sobretudo, uma estrutura de relações de poder e propriedade que acomodou uma sociedade conservadora e refreou a dinâmica do acesso, do rejuvenescimento e da inovação socioeconómica nas áreas mais frágeis da baixa densidade.

Dito isto, é indiscutível que os impactos gerados pelas grandes transições – climática e energética, ecológica a alimentar, tecnológica e digital, demográfica e migratória, socioeconómica e sociocultural – aceleraram mudanças substanciais no universo do mundo rural, seja na ecologia da paisagem, na agricultura de precisão e biodiversidade, ou na biopolítica dos sistemas produtivos e do capital social, isto é, entrámos definitivamente no universo paradigmático da 2.ª ruralidade.

Ora, em época de transição paradigmática é possível discernir duas grandes tendências que podem entrar em rota de colisão. A 1ª tendência tem a ver com o acesso ao espaço rural, considerado espaço público, como espaço de conservação, espaço de recreio, espaço quadro de vida, espaço de aculturação.

A 2.ª tendência de fundo tem a ver com a privatização/apropriação do espaço rural por poderosos processos de ruralização que estão em curso neste momento. O conflito parece inevitável. Não podemos idealizar o mundo rural por mais assombrosas que sejam as nossas representações e encenações. Na retaguarda desses imaginários urbanos sobre o mundo rural correm as relações de poder. Por isso mesmo, não devemos confundir o frenesim dos novos atores do mundo rural, os neorurais de que se fala, com relações de poder no interior do mundo rural português. Eis o enunciado da macro física do poder, ou seja, os processos de ruralização em curso no mundo rural:

– O produtivismo das agriculturas especializadas (as explorações super-intensivas);
– O rentismo imobiliário (a extração de mais-valias fundiárias);
– A florestação industrial de terras agrícolas (as grandes plantações industriais);
– A industrialização verde e as novas métricas (o greening produtivista);
– O radicalismo conservacionista (grandes propriedades naturais/naturalizadas);
– A residencialização do espaço agro rural (os loteamentos em espaço rural);
– A energetização do espaço agro rural (os parques energéticos exuberantes);
– A turistificação das amenidades rurais (os PIN, os parques bio ambientais e outros);
– A cinegetização do espaço rural (as reservas de caça imponentes);
– A logística comercial do espaço rural (os equipamentos e infraestruturas).

Tudo o que possamos dizer a propósito dos novos valores relativos à ecologia da paisagem, ao ordenamento do território, ao uso múltiplo e à acessibilidade ao espaço agro rural, irá, provavelmente, conflituar com as tentativas de apropriação e privatização de alguns destes processos de ruralização em curso.

* Professor Catedrático na Universidade do Algarve.

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