
Estou a viver estes dias com uma reconfortante esperança. Este sentimento decorre da convicção de que a eleição do novo Papa não pode deixar de ter em conta os doze anos do fecundo e profético pontificado do Papa Francisco. Sobre essa fecundidade já muito foi dito e escrito nos últimos dias. Nem todas as opiniões são concordantes. Sempre procuro respeitar a opinião dos outros que pensam diferente de mim.
Por Eugénio da Fonseca *
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Tenho amigos verdadeiros que não professam o catolicismo e outros que não são crentes. Nunca me preocupei em mudar-lhes as suas opções. Mas também nunca escondi a minha. Confesso que lhes falo mais das minhas experiências com situações onde são frequentes as injustiças e comos elas me têm ajudado a aprofundar a fé cristã que professo e dado sentido ao culto proposto pela minha tradição religiosa. Acreditem que é verdade: as pessoas em situação de pobreza ou de exclusão social têm sido uma força muito forte para viver mais plenamente a minha fé.
Imaginam o entusiasmo com que vivi o pontificado de Francisco. Ele foi o maior profeta da paz e estadista do primeiro quartel deste século. Lia os sinais dos tempos com uma ímpar inteligência, mas, também, com a ternura e sabedoria do coração. Mas não desejo que o próximo Papa seja seu clone. Como Francisco, quem for, que tenha como únicas fontes orientadoras das suas posições e decisões o Evangelho e o Pensamento Social da Igreja. Decerto que a Tradição também tem de ser considerada, mas sem nunca esquecer que ela começou com as vivências das primeiras comunidades cristãs descritas nos Actos dos Apóstolos.
Desejo ainda um Papa que, com as suas idiossincrasias, dê continuidade aos anseios do seu antecessor. Ele saberá que os últimos anos de Francisco lhe foram muito dolorosos. Que muitos esforços fez para que terminassem os mais de 60 conflitos armados em curso no mundo, com particular preocupação para as chacinas que estão a acontecer nas guerras deflagradas pela Rússia e pela que está a dizimar a Faixa de Gaza. Para além disso, Trump está a espalhar pelo mundo conflitos económicos. Estão a suceder recuos nas ações que visam a defesa da “Casa Comum”. O mundo está a atravessar transformações, como os mais recentes progressos robóticos e a inteligência artificial, em que as desigualdades sociais se vão acentuar.
Intervenções de cardeais nas congregações gerais que preparam o conclave têm insistido na afirmação “da continuidade” com Francisco. Foto © Vatican Media, via Agência Ecclesia.
Os cristãos católicos não podem ficar indiferentes a tudo isto, porque nunca é demais lembrar que “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração.” [1].
É importante ter cristãos católicos cada vez mais participantes na transformação das realidades terrestres, que sejam “As imagens evangélicas do sal, da luz e do fermento, embora se refiram indistintamente a todos os discípulos de Jesus, têm uma específica aplicação nos fiéis leigos. São imagens maravilhosamente significativas, porque falam, não só da inserção profunda e da participação plena dos fiéis leigos na terra, no mundo, na comunidade humana, mas também e, sobretudo, da novidade e da originalidade de uma inserção e de uma participação destinadas à difusão do Evangelho que salva.” [2].
Esta aprendizagem faz-se com a construção de uma Igreja Sinodal. Sabemos que tal não acontece por decreto e que é um processo. Porém, tal processo não pode ser lento demais de maneira que não sejamos exemplo de uma Igreja que é, na verdade, Povo de Deus, que os seus membros caminham lado a lado, em que o báculo não se distingue da enxada, mas todos unidos na diversidade cooperam para que haja sinais do Reino de Deus já entre nós. Gostaria que o novo Papa prestasse uma atenção especial para que, em sintonia com as conferências episcopais, começasse a haver sinais evidentes da dessacralização da Igreja tão desejada por Francisco.
Que o novo Papa desse continuidade à solução dos problemas levantados nas duas sessões do Sínodo sobre a Sinodalidade. Por Francisco nos ter deixado, não podem os mesmos ser secundarizados na agenda do novo Papa e da Igreja em geral.
Como Francisco, espero que o seu sucessor, mesmo que não venha a chamar-se Francisco, não abandone o anseio de desejar uma Igreja pobre e para os pobres e atrevo-me a dizer COM OS POBRES, sejam eles provenientes de periferias territoriais ou existenciais. Seria um passo demonstrativo de que efetivamente a Igreja é para todos, todos, todos. Importa referir que ainda há muitas dificuldades para que a opção preferencial pelos pobres seja uma realidade. Aguardo em reconfortante esperança a nomeação do novo Papa, porque, como eu, muitos estão convencidos que qualquer recuo no trajeto traçado por Francisco seria uma desilusão para os que, no mundo, passaram a ver na Igreja um oásis de esperança.
[1] Cf. Constituição Pastoral Gaudium et Spes sobre a Igreja no mundo actual, CONCÍLIO ECUMÉNICO VATICANO II. Documentos Conciliares – Constituições, Decretos, Declarações, Coimbra: Gráfica de Coimbra 2002, 1.
[2] Cf. JOÃO PAULO II, Exortação Apostólica Pós-Sinodal Christifideles Laici (30 de Dezembro de 1988), Lisboa: Secretariado-Geral do Episcopado 1989, 15.
* Artigo publicado originalmente no site Sete Margens.
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