5 desafios para acelerar a preservação da biodiversidade e dos ecossistemas em Portugal

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Baixo Vouga Lagunar (foto partilhada pelo Facebook do BioRia).

22 de maio é um Dia Internacional da Biodiversidade especial. Embora cada Dia Internacional da Biodiversidade, proclamado pela Organização das Nações Unidas em 2001, carregue o seu próprio significado especial, as celebrações globais deste ano trazem consigo um renovado senso de esperança com a adoção do Quadro Global para a Biodiversidade Kunming-Montreal na 15.ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica (COP 15). Para marcar essa incrível e histórica conquista, o tema deste ano é “Do Acordo à Ação: Reconstruir a Biodiversidade”. Este é o dia em que também ocorre a sessão de encerramento da Missão Natureza 22 promovida pelo Instituto de Conservação da Natureza e Florestas.

Por Francisco Ferreira *

A ZERO vem assim sinalizar que Portugal deveria tornar-se um exemplo ao cumprir as políticas europeias e nacionais já definidas nesta matéria, nomeadamente a Estratégia da União Europeia (UE) para a Biodiversidade 2030 e, mais concretamente, a Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e da Biodiversidade, alocando os meios e recursos necessários para a implementação das medidas aí previstas. Infelizmente não é o que está a acontecer.

Tendo em conta que a preservação da biodiversidade e dos ecossistemas continua a ser uma área da política pública que só merece atenção por parte dos decisores políticos em dias como o que hoje se comemora, a ZERO aproveita para lançar cinco desafios complexos, mas atingíveis, que, a cumprirem-se, poderão fazer toda a diferença nesta década. No que à implementação da Estratégia da UE para a Biodiversidade diz respeito, podem-se destacar três objetivos centrais: [1] transformar pelo menos 30 % superfície terrestre e marinha da Europa em áreas protegidas geridas de forma eficaz (Portugal tem neste momento cerca de 22% do seu território classificado), sendo que [2] 10% da área com elevado valor em termos climáticos e de biodiversidade deve ter proteção estrita (as áreas hoje enquadráveis nesta categoria são residuais) e [3] melhorar o estado de conservação ou a tendência de, pelo menos, 30 % das espécies e habitats protegidos da UE que não se encontram atualmente em estado favorável.

1.º Desafio – Aprovação do Cadastro Nacional dos Valores Naturais Classificados e implementação de planos de ação para espécies ameaçadas

O Cadastro Nacional dos Valores Naturais Classificados é um instrumento de caráter operacional, previsto no Regime Jurídico da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, que consiste num arquivo de informação sobre os valores naturais classificados e as espécies flora e fauna consideradas ameaçadas de acordo com os critérios da UICN (União Internacional para a Conservação da Natureza).

A criação do Cadastro, prevista na legislação desde 28 de julho de 2008, permitirá conferir proteção legal a todas as espécies com estatuto de ameaça que ocorrem no interior e fora das áreas classificadas, uma vez que estão previstas contraordenações ambientais puníveis por lei.

Contudo, a aprovação desta ferramenta de conservação continua dependente da existência de regulamentação que está para ser publicada há 13 anos, apesar de se estipular nas disposições transitórias e finais do referido diploma um prazo máximo de dois anos para a aprovação do primeiro Cadastro Nacional dos Valores Naturais Classificados.

A verdade é que esta ferramenta combinada com os dados das Listas Vermelha da Flora Vascular, de grupos de invertebrados e da revisão dos Livros Vermelhos das aves, dos mamíferos e dos peixes dulçaquícolas e migradores é a base para a definição e aplicação de planos de ação dirigidos às espécies mais ameaçadas, permitindo afetar os recursos necessários. Esses Planos estão, porém, apenas circunscritos ao Lince-ibérico, ao Lobo-ibérico, ao Saramugo, às aves necrófagas e aos roazes do Sado. No entanto, apesar de alguns sucessos como ocorreu com o lince-ibérico, a definição de planos de ação para a conservação de espécies ameaçadas não se tem traduzido nos resultados que seriam desejáveis – casos do Lobo-ibérico ou das aves necrófagas, que marcam passo – faltando organização interna da autoridade nacional de conservação da natureza e da biodiversidade para que esta abordagem possa produzir resultados na preservação das espécies alvo.

2.º Desafio – Definição e aplicação de uma estratégia de renaturalização de vastas áreas do território nacional

O conceito de renaturalização (“rewilding”, no original), criado na década de 1990 nos Estados Unidos da América, num contexto em que o objetivo era a preservação de grandes espaços para a reintrodução de carnívoros, é hoje uma realidade por toda Europa como forma de conservação da natureza e gestão da paisagem e veio para ficar, pese embora os esforços em Portugal ainda estejam confinados ao Grande Vale do Côa.

Para a ZERO, e para muitos investigadores e organizações que trabalham nesta área, a renaturalização deve ser assumida pela autoridade nacional de conservação da natureza como estratégia preferencial para a conservação, uma vez que estamos perante uma abordagem eficaz na recuperação de sistemas complexos, para além de ser menos onerosa e de garantir melhores resultados para a conservação da biodiversidade no longo prazo, num contexto de grande exigência na União Europeia.

Num contexto em que o interior de Portugal continental continua a perder população, sem que, infelizmente, haja muito a fazer para inverter esta tendência, esta abordagem de gestão da paisagem combinada com medidas compensatórias para que alguns municípios que se posicionem para que os seus territórios não só reforçassem a qualidade de vida das populações locais, hoje prejudicada pelas políticas públicas, mas também permitissem o reforço da conectividade entre os territórios. Tal permitiria que, por exemplo, o Lobo-ibérico pudesse incrementar a sua população em Portugal e a reposição da complexidade da sua cadeia alimentar. Todavia, esta abordagem exige uma diferente dos decisores políticos que encaram os territórios predominantemente como espaços de extração de recursos naturais (água, madeira, massas minerais) e de produção de energia, sem a devida preocupação com os passivos resultantes da artificialização dos solos ou com a qualidade de vida das populações locais no longo prazo. É necessária uma mudança de atitude face à conservação dos valores naturais e ao que é, de facto, desenvolvimento sustentável.

3.º Desafio – Plano para a aquisição de terrenos públicos para conservação da natureza

É um facto que uma parte ínfima da propriedade pertence ao Estado, mantendo-se a mesma na quase totalidade em mãos privadas, sendo que esta situação é muito limitadora quando se pretende concretizar medidas de conservação da natureza, as quais, por norma, produzem resultados no longo prazo. Para além disso, o regime de propriedade privada, em particular a situada a norte do rio Tejo que é maioritariamente dominada pela pequena propriedade, aliada aos diferentes interesses dos proprietários, nem sempre compatíveis com o interesse público, limita muito a intervenção e definição de ações visando a conservação de espécies ameaçadas.

Para a ZERO, este é o momento de inversão de uma política que, até hoje, pouco se preocupou com o facto de, apesar de afetarmos mais de 20% da área terrestre à conservação da natureza, fazermo-lo num quadro em que a propriedade pertence na quase totalidade a privados, o qual é impeditivo da execução de qualquer gestão ativa nos territórios classificados. Acresce o facto de que a Estratégia Europeia para a Biodiversidade 2030 estipula que os Estados-membros deverão preservar 30% da superfície terrestre, dos quais 10% com proteção estrita.

Neste contexto, defende-se que, anualmente, o Fundo Ambiental possua uma verba de montante significativo para que Estado possa adquirir terrenos de interesse para a conservação, de acordo com prioridades bem definidas pela autoridade nacional de conservação natureza e da biodiversidade, de modo a que, ano após ano, aumente a área pública destinada à preservação de espécies ameaçadas, com especial incidência na salvaguarda de espécies inscritas no cadastro nacional dos valores naturais classificados. Ainda que em 2022 e em 2023 se tenha ensaiado algo do género, com a empresa pública Florestal a investir verbas do Fundo Ambiental na aquisição de parcelas em áreas com elevado valor natural e com estatuto de proteção, não existe uma estratégia minimamente definida e consequente a longo prazo que não misture a nem sempre compatível gestão florestal com preservação das espécies e dos seus habitats.

4.º Desafio – Alocação de meios financeiros nacionais e comunitários com prioridades bem definidas

Nunca a política pública possuiu tantos recursos financeiros disponíveis para a conservação da natureza, designadamente ao nível de verbas provenientes da União Europeia que serão geridas a nível regional, prevendo-se investimentos de 206 milhões do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), valor que corresponde a 2,6% do total dos fundos comunitários com aplicação à escala regional. No entanto, para a ZERO são muitas as preocupações relativas à forma como irão ser gastos estes preciosos recursos, uma vez que são muito vagas as orientações existentes para a alocação das verbas.

Justifica-se, assim, uma consulta pública sobre a utilização das mesmas, sob pena de ficar ao critério das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional a aplicação de montantes significativos, sem que estas entidades possuam qualquer capacidade para identificar as prioridades de investimento e um quadro mínimo de resultados a atingir, podendo mesmo correr-se o risco de se financiarem projetos que nada têm a ver com gestão ativa, reabilitação ou restauro, mas sim com a chamada “valorização”, termo que, em geral, é sinónimo de mais pressão e destruição dos valores naturais.

Acresce que estas verbas do FEDER deveriam de ser combinadas com recursos do Fundo Ambiental e outros Fundos da União Europeia, designadamente do programa LIFE, por forma a que, com uma parceria estratégica entre organismos públicos, organizações não governamentais de ambiente, a academia e outras entidades da sociedade civil, com objetivos muito bem definidos, se alavanque ainda mais o investimento público numa área tão necessitada.

5.º Desafio – Criação de uma cooperativa de interesse público para dinamizar a conservação do meio marinho

Porém, a preservação de 30% da área marinha, também estipulada pela Estratégia da EU para a Biodiversidade 2030, é a tarefa que se apresenta como a que possui maior grau de dificuldade, já que falamos de áreas vastas, de muitos interesses envolvidos e muitas vezes contraditórios e atribuições e competências partilhadas entre organismos públicos e até entre diferentes Ministérios. Para a ZERO, a política pública necessita de uma visão clara sobre o que se pretende conseguir nesta área e também sobre a forma de o conseguir, sendo que esta última é certamente decisiva para se encetar um processo que culmine na classificação de mais áreas e numa gestão eficaz. Tendo em conta que o principal constrangimento parece residir na dispersão de interesses e opiniões sobre o que será a política pública, parece fazer todo o sentido criar um organismo que agregue entidades públicas e privadas interessadas, com objetivos de estudo, gestão e vigilância de uma rede de áreas marinhas classificadas, na forma de cooperativa de interesse público (régie cooperativa), sem prejuízo da manutenção das atribuições e competências da diferentes entidades públicas que têm relação com o meio marinho. Como é evidente, esta régie cooperativa teria que ter meios humanos e operacionais que lhe permitissem cumprir os objetivos estatutários que estariam na base da sua criação, parte dos quais poderiam ser financiados por fundos da UE.

* Dirigente da ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável. https://zero.ong

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